Os últimos dias de abril sinalizaram uma crise no clima e o início de uma tragédia climática sem precedentes no Rio Grande do Sul. Com um volume de chuvas acima de 400 mm concentrados em poucos dias e dois terços do estado afetados pelos temporais, a população gaúcha vivencia as dores das perdas humanas e materiais. O governo federal reconheceu o estado de calamidade pública para 336 municípios gaúchos, muitas empresas interromperam as atividades e, no interior do estado, que é importante produtor de arroz, soja, carnes e outros produtos in natura, agricultores ficaram impossibilitados de escoar as safras já colhidas, devido ao caos nas rodovias e infraestruturas submersas, como pontes e portos.
Os prejuízos do evento climático extremo no Rio Grande do Sul ainda serão calculados. Mas é certo que são demonstrativos do impacto que as mudanças climáticas trazem para a economia das regiões que são afetadas por eventos dessa magnitude, que se tornam cada vez mais intensos e frequentes. Globalmente, o ano de 2023, que atingiu recordes em temperaturas, registrou um aumento no número de desastres naturais que levou a perdas de US$ 380 bilhões; das 66 catástrofes naturais que causaram prejuízos acima de US$ 1 bilhão, 63 foram causadas pelo clima, de acordo com relatório da seguradora Aon.
E não são apenas impactos imediatos, mas também sistêmicos, ou seja, com potencial para desestabilizar a economia global em níveis sem precedentes.
Crise do clima em cadeia
A começar pelo efeito inflacionário: a pressão sobre a produção de alimentos está se agravando, e até 2035 a crise do clima contribuirá para elevar os preços dos alimentos de 0,9% a 3,2% ao ano, segundo estudo publicado por economistas do Banco Central Europeu e da Universidade de Potsdam, Alemanha. Os países de renda menor e localizados em latitudes mais baixas, especialmente na África e na América Latina, serão mais afetados e o Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, deverá sentir uma pressão inflacionária de 1,9% ao ano, dentro de uma década. A elevação no preço dos alimentos atinge mais fortemente os mais pobres, então as políticas de mitigação da crise climática terão de abraçar também a segurança alimentar das populações, sobretudo as de menor renda.
Nesse contexto, dois graves riscos sistêmicos se conectam e se retroalimentam: a crise climática e as desigualdades sociais.
É impossível fechar os olhos às flagrantes desigualdades de renda, riqueza e bem-estar: os 10% mais ricos da população detém mais de três quartos de toda a riqueza, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas 2%; e, de acordo com o IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o 1% mais rico da população emite duas vezes mais carbono do que os 50% mais pobres. Ou seja, os estratos sociais que mais contribuem para a crise do clima tendem a ser menos afetados por ela, embora os efeitos sistêmicos afetem a todos, diretamente ou indiretamente.
Na economia
No Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), temos provocado a discussão sobre o papel dos negócios para prover soluções para as duas crises. Combater as desigualdades sociais aceleraria o crescimento econômico e ao mesmo tempo, seria uma resposta à emergência climática. O termo “transição justa”, aliás, traz à tona a componente social, ou seja, a necessidade de caminharmos rumo à descarbonização das economias para não agravar as desigualdades sociais que nos assolam. De acordo com os 10 Princípios para o Brasil que Queremos em 2050, presentes em nosso documento Visão 2050, atualizado em 2021, existem medidas que podem ser adotadas no médio e longo prazo para reduzir as desigualdades.
Entre elas, adotar a economia regenerativa e distributiva por meio de modelos de negócios inclusivos que promovam a educação, a saúde, a proteção social e a sustentabilidade e se concentrem em objetivos e indicadores que atendam às necessidades de todas as pessoas dentro de um limite aceitável para o planeta. É fundamental garantir a segurança alimentar, de modo que a produção satisfaça as necessidades nutricionais das pessoas com uma alimentação mais saudável e recorrendo a práticas regenerativas e de baixo carbono em toda a cadeia, valorizando a sociobiodiversidade e combatendo o desperdício.
Setor privado
O setor privado também pode estabelecer alianças com o setor público para investimentos estruturados nos territórios – tomando como exemplo a realidade da Amazônia, os negócios podem prover soluções para preservar e restaurar o capital natural da região, promovendo a geração de renda e a inclusão social e oferecendo apoio para que as políticas públicas acompanhem esse modelo de transformação de forma sustentável.
Temos dito que o Brasil tem plenas condições de resolver seus passivos sociais a partir dos ativos ambientais, e é nessa direção que devemos olhar para construir um futuro positivo para as pessoas com resiliência climática. Este é o grande desafio que temos pela frente, e não é apenas o papel dos governos: as empresas têm de colocar esta missão no centro das suas estratégias.
* Marina Grossi é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade com 27 anos de atuação e mais de 110 grandes empresas associadas
Fonte: Marina Grossi
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