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Gente como a gente: conheça os brasileiros e as brasileiras que decidiram ser a mudança que desejam ver no mundo

No Dia Internacional da Terra, conheça cinco pessoas que provam que é possível combater a urgência climática e propor soluções globais com atuação local

Diego Saldanha: EcoBarreiras
Diego Saldanha: EcoBarreiras (Curitiba - PR) — Foto: Divulgação -

Nem sempre a mudança que queremos ver no mundo surge de “heróis ou heroínas” ou de governos profundamente comprometidos com a agenda climática. Histórias inspiradoras residem ao nosso lado, lideradas por pessoas “comuns” que decidiram pensar globalmente, mas agindo localmente por meio de soluções inovadoras que geram uma mudança positiva no Planeta.

Neste 22 de abril, quando se celebra o Dia Internacional da Terra, vamos contar algumas dessas histórias. Quando falamos em crise climática, é comum que muitas pessoas se sintam pequenas e até impotentes diante da magnitude dos problemas que têm arrastado os quatro cantos do mundo. Mas graças à coragem, liderança e protagonismo de pessoas reais que decidiram colocar a mão na massa e propor novos caminhos para o planeta, uma nova História de futuro ainda pode (e deve) ser contada.

Lia Esperança
Lia Esperança — Foto: Divulgação

Lia Esperança: Vila Nova Esperança (São Paulo -SP)

Uma paulistana, chamada Lia, não esperava que seu futuro lhe reservasse o posto de líder comunitária. Foi há 10 anos que a sua decisão de dar um novo rumo à comunidade de Vila Nova Esperança, localizada na zona oeste de São Paulo (SP), a colocou neste posto. "A necessidade de preservar os espaços verdes, de garantir uma comunidade mais sustentável e com horta comunitária surgiu quando cheguei ali e soube que 600 famílias seriam retiradas por estarem ‘degradando’ uma área de preservação ambiental. Eu sabia que o caminho não era tirá-las de lá, mas educá-las sobre a importância de conservar o meio ambiente. Foi isso que aleguei ao promotor de justiça em 2013: a solução seria levar educação ambiental a essas famílias”, conta a líder, agora conhecida como Lia Esperança. Essa ação proporcionou a Lia o Prêmio Milton Santos na categoria Consolidação de Direitos Territoriais e Culturais, em 2014.

O caminho inicial foi a criação de uma horta comunitária que gerasse resiliência, educação ambiental, segurança alimentar e renda para a comunidade. Dez anos depois, a horta é solo fértil para a produção de legumes, frutas, hortaliças, PANCs e ervas medicinais. Couve, repolho, couve-flor, brócolis, beterraba, milho, feijão e banana fazem parte desse cardápio colorido. “Não adianta querer que o mundo mude se não damos chance para todos mudarem. No início, ninguém se envolvia na horta, mas agora temos grande mobilização; todos percebem a importância desse espaço. Apesar de ser tudo orgânico, vendemos no mesmo preço do tradicional. Como posso querer que todos sejam saudáveis se nem todo mundo tem acesso a produtos que fazem bem para saúde?”, instiga Lia.

Horta de PANCs
Horta comunitária na e Vila Nova Esperança, em São Paulo — Foto: Divulgação

Mudança em sua realidade

Foi olhando para a adaptação climática e para o papel das favelas nessa agenda que Lia Esperança puxou inúmeras frentes dentro da comunidade para promover mudanças. “Temos composteira e gás natural na cozinha comunitária. Oferecemos almoço gratuito cinco vezes na semana para 100 crianças, graças à parceria com a The Caring Family Foundation. Ensinamos sobre a origem dos alimentos e como substituir a proteína animal pelas plantas alimentícias não convencionais (PANCs); estamos com um curso em andamento sobre o tema para gerar maior conscientização”, explica.

A comunidade também estabeleceu parcerias com outras organizações como o Grupo Mulheres do Brasil, o Movimento Popular por Moradia e o Grupo Sol, de serviços gastronômicos. Duas vezes por semana, mulheres do bairro podem participar das oficinas de costura para receber um incremento de renda. “Quando existe alguma tarefa mais urgente acontecendo, todos participam. Dentro da comunidade, existe muita sabedoria e ela deve ser compartilhada. Eu só consegui fazer as coisas acontecerem porque não desisti na primeira batalha. É preciso ser resiliente, ter força, coragem e acreditar em si mesmo”, enfatiza.

Jean Ferreira
Jean Ferreira: Gueto Hub e COP das Baixadas (Belém - PA) — Foto: Divulgação

Jean Ferreira: Gueto Hub e COP das Baixadas (Belém - PA)

Nascido no bairro de Jurunas, em Belém do Pará, o jovem Jean Ferreira é filho de uma ex-liderança comunitária e viu sua vida mudar quando criou o Sebo do Gueto, em 2018. “Era inovador vender livros a R$ 1 em um bairro estigmatizado. Fez tanto sucesso que hoje o Sebo do Gueto é uma franquia social espalhada pelo país. Quando recebemos R$ 20 mil de um edital resolvemos construir uma biblioteca comunitária em uma casa abandonada que tinha sido a sede da associação de moradores na década de 1980. Foi meu pai quem reformou a casa, algo simples, mas de coração. Aproveitamos o espaço amplo para criar um Hub de cultura e de inovação, o Gueto Hub”, conta Jean do Gueto, como é conhecido hoje.

Composto pela biblioteca comunitária, galeria de arte, museu, coworking e café, o Gueto Hub logo começou a chamar a atenção de grupos ambientalistas que enxergavam o movimento como um marco de resistência e de valorização da história local. “Com o tempo, entendemos que estávamos combatendo o racismo ambiental ao afirmar que o nosso território importa, que os canais de rio que foram violentados e retificados no Jurunas importam e nos aproximamos dessa pauta”, conta o jovem, que passou então a estudar sobre racismo ambiental e crise climática.

Fachada do Gueto Hub
Fachada do Gueto Hub — Foto: Divulgação

COP

Jean do Gueto participou em 2022 da COP27, no Egito, e voltou com a inquietação sede de mudança de ampliar o diálogo sobre a agenda climática com as periferias e povos tradicionais “A juventude amazônida está aprendendo a entrar nesses espaços e falar sobre seus próprios territórios. Se eu não falar por um jovem periférico amazônida, quem vai falar por mim? Economizo minha fala para falar sobre a minha realidade. Esse é um dos segredos para se fazer justiça climática: a pessoa afetada é a melhor para falar daquele tema. Quando não há pessoas quilombolas, periféricas ou indígenas na mesa, não tem ninguém que represente suas dores”, enfatiza Ferreira, que foi reconhecido como Prolíder 2019 e Liderança de Impacto Ekloos 2021.

Foi assim que surgiu a COP das Baixadas, coletivo que reforça o empoderamento local para garantir o direito à cidade por meio da comunicação e do ativismo nas esferas de clima e sociedade. “Nosso objetivo foi fazer uma conferência enquanto Gueto Hub e chamamos várias organizações do clima para participar. A COP das Baixadas se tornou uma coalização. A primeira edição tinha um caráter mais pedagógico, falamos sobre racismo ambiental e sobre a sensação que é passada de que as comunidades tradicionais sempre podem ‘esperar um pouco mais’; isso significa negligência e morte”, enfatiza Jean.

COP das Baixadas 2024
COP das Baixadas 2024 — Foto: Reprodução

Mudança e Futuro

No próximo ano, a COP das Baixadas irá sediar um dos eventos oficiais da Conferência Climática da ONU, a COP30, que será realizada em Belém (PA). “Estamos atuando dentro de espaços da ONU. É um grande passo para nós, estarmos entre os integrantes que irão realizar uma conferência oficial. Queremos que a COP30 aconteça com bastante diálogo e respeito ao nosso território. Se for para fazer uma COP onde a sede não seja levada em consideração, então ela poderia ser feita em qualquer outro lugar”, afirma.

Quando perguntado sobre o papel da juventude no enfrentamento à crise do clima, Jean diz que não acredita que a sua geração seja a resposta final para a urgência climática. “O jovem não pode perder a sua coragem para lutar pelos seus contextos, mas os mais velhos têm o dever de serem acendidos por essa chama de coragem”.

Luciana Leite: Chalana Esperança (Pantanal - MS) — Foto: Divulgação
Luciana Leite: Chalana Esperança (Pantanal - MS) — Foto: Divulgação

Luciana Leite: Chalana Esperança (Pantanal - MS)

A bióloga Luciana Leite se uniu às colegas de profissão Daniella França, Cecília Licarião e Lua Benício em 2020 para criar a Chalana Esperança, organização que atua no Pantanal para gerar conscientização e educação a respeito dos focos de incêndio no bioma. O chamado para criar uma solução para um problema devastador surgiu quando Leite visitou o local pela primeira vez e foi surpreendida por incêndios de alta intensidade que queimaram pouco mais de 30% do território do bioma na parte brasileira.

“Resolvi agir porque estava cansada desse ‘turismo de tragédia’. O primeiro tamanduá, a primeira onça, o primeiro lobo guará que eu vi estavam todos mortos. Queria ver o paraíso, mas vi o inferno, em diferentes viagens que fiz pelo Brasil. Como bióloga, isso me toca profundamente. Fui ver o Pantanal, mas ele não estava lá. Esse foi o meu chamado”, conta a ambientalista.

Luciana teve todos os seus passeios cancelados por conta dos incêndios de 2020. O guia que a acompanhava lhe deu as instruções do que precisava ser feito para mitigar os danos. “Esse contato com a comunidade foi o que direcionou nossas ações. Hoje, esse guia é nosso membro-honorário, o Daniel, um grande parceiro que contribuiu muito para o surgimento da organização. Muitas ONGs e jornalistas que iam até o local abandonaram o barco em seguida. Eu prometi que ficaria pelo menos um ano para ajudar”, enfatiza.

Mudança e perspectivas para o futuro

Uma das frentes de atuação da organização é a educação, responsável por ampliar a conscientização a respeito da importância desse bioma para o planeta e para as comunidades tradicionais. A Chalana Esperança realiza a capacitação de multiplicadores para workshops e fornece o material didático, como os mini-guias de identificação de fauna e livros infantis, que são disponibilizados gratuitamente para 49 escolas públicas parceiras.

Um dos encontros promovidos pela  Chalana Esperança — Foto: Divulgação
Um dos encontros promovidos pela Chalana Esperança busca mudança na relação dos seres humanos com o meio ambiente — Foto: Divulgação

A Chalana também investe em empreendedorismo social por meio do projeto “Crochetando o Futuro”, com mais de 80 mulheres capacitadas para gerar renda valorizando temas locais, como a fauna e a flora em crochê. “Também somos ativistas, pois queremos chamar a atenção do poder público; ele é a maior máquina que temos para conscientização e proposição. As pessoas precisam saber o que é a crise climática e como combatê-la. Sem a educação não chegaremos lá”, enfatiza a bióloga que atua como Defensora da Biodiversidade e do Clima pela Environmental Justice Foundation, organização que trabalha em 16 países na interface de violação de direitos humanos e crimes ambientais.

A empreendedora também destaca a necessidade das pessoas irem até o Pantanal para conhecer o bioma com seus próprios olhos. “Da mesma forma que ter visto os incêndios no Pantanal me quebrou por dentro, foi o empurrão que recebi para agir. Na luta ambiental isso é muito claro: não podemos perder a esperança, cada um tem um papel importante a ser desempenhado”, conclui.

Erleyvaldo Bispo: Águas Resilientes (Lagarto - SE) — Foto: Divulgação
Erleyvaldo Bispo: Águas Resilientes (Lagarto - SE) — Foto: Divulgação

Erleyvaldo Bispo: Águas Resilientes (Lagarto - SE)

O jovem sergipano Erleyvaldo Bispo cresceu brincando em esgoto a céu aberto no bairro onde morava, em Lagarto (SE), e transformou seu incômodo em tecnologia social e ação direcionada para ajudar as comunidades a enfrentar o problema do saneamento básico e do acesso à água. “Águas Resilientes surgiu depois que eu participei do Fórum Mundial da Água, em 2018. Tive a oportunidade de conhecer jovens do mundo inteiro que estavam criando projetos incríveis em relação à água. Um jovem haitiano, Adelin Pierre, me perguntou o que eu estava fazendo para mudar a minha realidade. Entendi que era um chamado para agir”, ressalta o pesquisador e empreendedor.

Projeto educativo da Águas Resilientes — Foto: Divulgação
Projeto educativo da Águas Resilientes pode promover mudança no futuro das águas brasileiras — Foto: Divulgação

Na época, Bispo estava morando no Rio de Janeiro estudando engenharia florestal e, anteriormente, havia realizado um curso técnico em agropecuária que lhe abriu a cabeça para questões de sustentabilidade, de acesso aos recursos naturais e alimentos. “Toda minha trajetória foi me conectando com a área ambiental”.

De perfil curioso, o pesquisador logo começou a elaborar o que seria essa solução. Junto com um grupo de amigos, participou de uma batalha de startups onde criou um sistema de captação de água da chuva barato e replicável. Assim nascia o Águas Resilientes, projeto que desenvolve tecnologias inovadoras para o acesso à água, promove o engajamento da juventude e viabiliza a adaptação, mitigação e resiliência climática. “A falta de acesso à água não apenas impacta a saúde das pessoas, mas sua moradia, que costuma ser desvalorizada. Quando criança, tive doenças de pele e gastrointestinais relacionadas à água contaminada. Sei que sou um sobrevivente em meio a essa problemática”, reforça.

COP28

Bispo liderou a participação da juventude ligada à agenda de água durante a COP28, em 2023. Dessa forma, enfatizou a necessidade de ampliar as informações sobre o tema. “Levamos o Águas Resilientes para 19 estados, impactamos mais de 800 pessoas e estivemos em 11 países, além do Brasil”, afirma. O pesquisador deixa claro que na sua visão o acesso à informação e à educação é o que pode solucionar esta problemática, que anda de mãos dadas com a justiça climática. “As pessoas mais pobres serão sempre as mais afetadas. Precisamos incluí-las na tomada de decisão. A mudança só vai acontecer a partir do questionamento das pessoas seguido pela sua mobilização. Para isso, é preciso conhecer sua comunidade e suas problemáticas”, enfatiza.

No último ano, a organização assinou projetos com a Secretaria Internacional da Água, Águas Solidárias da Europa, os Governos da Holanda e Suíça, We are tomorrow global partnership, Voz das Comunidades e 4H5H Media. Em março de 2023, Bispo participou da segunda Conferência da ONU sobre a Água, em Nova York (EUA), onde teve a oportunidade de se encontrar com Mark Rutte, primeiro-ministro da Holanda. “Estamos dispostos a dialogar com todos os setores, porque chegamos à conclusão de que para resolver os desafios complexos ligados ao acesso à água, saneamento e higiene no Brasil, precisamos de todas as pessoas e organizações agindo em conjunto”, conclui.

Diego Saldanha: EcoBarreiras (Curitiba - PR) — Foto: Divulgação
Mudança na prática - Diego Saldanha: EcoBarreiras (Curitiba - PR) — Foto: Divulgação

Diego Saldanha: EcoBarreiras (Curitiba - PR)

Com mais de 2 milhões de seguidores nas redes sociais, o curitibano Diego Saldanha transformou a sua indignação com a poluição do Rio Atuba, no município de Colombo, na zona metropolitana de Curitiba (PR), em seu projeto de vida, a EcoBarreira. “Em 2016, resolvi parar de reclamar e começar a agir. Sou vizinho do Rio Atuba há 37 anos e o vi virar um corredor de lixo. Assim que criei a EcoBarreira, consegui 5 milhões de acessos em um vídeo no Facebook. A rápida repercussão me mostrou o sucesso da simples e inovadora criação”, conta o ativista e empreendedor.

Toneladas de lixo já foram retiradas do rio paranaense graças à invenção, que funciona como uma peneira, filtrando os resíduos descartados incorretamente. Assim, por meio de galões de 50 litros, a invenção impede a passagem do lixo. “Por meio das minhas redes sociais e das mídias televisivas que amplificaram a minha atuação, pude aumentar a conscientização a respeito da preservação dos rios. É fundamental que a população se eduque sobre a destinação correta dos resíduos, mas o poder público deve andar lado a lado. É um trabalho em conjunto”, enfatiza Saldanha.

Assim, hoje, a versão mais ‘simplificada’ da “EcoBarreira”, denominada de “Ecopeneira”, está à venda online para quem deseja multiplicar o trabalho de limpeza dos rios. “O meu maior sonho é que este filtro esteja em todos os rios urbanos do país. Sei que é um trabalho que qualquer pessoa pode fazer e cada um pode fazer a sua parte. A gente fala muito sobre salvar a Amazônia, mas você já olhou para o seu bairro? O que você está fazendo pelo rio que corta a sua cidade? Não adianta esperarmos as autoridades fazerem algo. Podemos pensar globalmente, mas devemos agir localmente”, conclui.

Fonte: Nicole Wey Gasparini / Um Só Planeta

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