
A floresta amazônica, o maior reservatório de carbono e biodiversidade do planeta, pode se tornar mais resistente às secas intensificadas pelas mudanças climáticas graças à diversidade de características hidráulicas das plantas. É o que conclui um estudo publicado na última quarta-feira (10) na revista Nature Communications, que simulou cenários de seca extrema e crônica para quantificar como a variação em traços relacionados à água — como profundidade de raízes, fenologia foliar e resistência à cavitação — reduz perdas de biomassa em até 34%. As características hidráulicas descrevem a eficiência do sistema vascular da planta na condução e armazenamento de água.
O trabalho, liderado por Liam Langan, da Universidade de Bayreuth (Alemanha), em colaboração com Simon Scheiter, Thomas Hickler e Steven I. Higgins, utilizou um modelo de simulação avançado chamado aDGVM2 para prever respostas da floresta a perturbações hídricas. “Nossas simulações revelam que uma maior diversidade de características funcionais reduz significativamente a perda de biomassa durante secas”, afirmam os autores no resumo do artigo. Eles destacam que essa resistência é mais pronunciada em condições de seca severa, reforçando a ligação entre conservação da biodiversidade e mitigação climática.
O que o estudo revela
Os pesquisadores analisaram dois tipos de seca: catastrófica (redução repentina de 50% na precipitação por 4 a 7 anos) e crônica (reduções graduais associadas a cenários climáticos, como RCP8.5, com precipitação caindo 50% em 100 anos). Em escalas local e continental, a diversidade de traços hidráulicos emergiu como um “eixo-chave” de variação, criando compensações entre eficiência e segurança no uso da água.
Em simulações locais baseadas em experimentos reais nos sítios de Tapajós (Pará) e Caxiuanã (Pará), comunidades com alta diversidade perderam 17% a 32% menos biomassa do que as de baixa diversidade. “A diversidade funcional estabiliza o ecossistema, reduzindo a variabilidade nas respostas à seca”, explicam os autores, citando mecanismos como diferenciação de nichos temporais (via fenologia foliar) e espaciais (via raízes profundas).
Em escala continental, abrangendo grande parte da Amazônia, a diversidade reduziu perdas de biomassa em até 34% sob seca crônica severa. Sem o efeito fertilizante do CO₂ (mantido constante em 380 ppm), as perdas totais de biomassa podem chegar a 44% até 2100 no pior cenário. Mesmo com CO₂ crescente, áreas com reduções de precipitação perdem até 40% da biomassa. “Essas descobertas quantificam o papel essencial da diversidade de traços hidráulicos”, enfatizam os cientistas.
Como foi feito o estudo
O modelo aDGVM2, baseado em indivíduos e traços adaptativos, incorpora avanços em hidráulica vegetal, permitindo que características como alocação de carbono, profundidade de raízes e potencial hídrico evoluam via seleção natural. As simulações foram rodadas por 1.000 anos, com spin-up para equilíbrio vegetacional, usando dados climáticos do CRU e anomalias de RCP4.5 e 8.5 do MPI-ESM-LR.
Análises de componentes principais identificaram eixos de variação: produtivo versus conservador (alocação de carbono) e hidráulico (evitamento versus resistência à seca). Manipulações experimentais, como remoção de nichos de enraizamento ou fenologias foliares, confirmaram que a diversidade promove estabilidade na transpiração e reduz a mortalidade.
Os autores adotaram uma abordagem exploratória, com análises bayesianas e de efeitos mistos para isolar efeitos da diversidade. “Demonstramos que florestas funcionalmente diversas são mais resistentes, com efeitos aumentando conforme a severidade da seca”, concluem.
Contexto e ameaças à Amazônia
A Amazônia armazena vastos estoques de carbono e abriga uma biodiversidade única, mas enfrenta reduções de precipitação devido ao aquecimento global e ao desmatamento. Estudos prévios documentam mortalidade florestal generalizada ligada a secas, como as ocorridas em 2005 e 2010. Modelos tradicionais subestimam impactos, mas o aDGVM2 reproduz observações empíricas, incluindo picos de sequestro de carbono nos anos 1990 e declínio subsequente.
Os pesquisadores alertam: sem CO₂ fertilizante, o sumidouro de carbono amazônico pode zerar entre 2000 e 2010. Com ele, o limiar é atingido até 2080. “A perda de biodiversidade acelera a vulnerabilidade climática”, dizem, ecoando chamadas para integrar ecologia em modelos terrestres.
Implicações para conservação e política
O estudo reforça a necessidade de proteger a diversidade funcional, especialmente traços hidráulicos, para manter a resiliência da floresta. “Conservar a biodiversidade não é apenas preservar espécies, mas garantir serviços ecossistêmicos como o sequestro de carbono”, argumentam os autores.
No Brasil, onde a Amazônia perde cobertura florestal a taxas alarmantes, políticas como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) poderiam incorporar essas descobertas. Especialistas consultados — embora o estudo seja recente e ainda sem reações amplas — veem potencial para influenciar negociações climáticas, como a COP30 em 2025. “É uma evidência científica robusta de que biodiversidade e clima estão intrinsecamente ligados”, comenta um ecólogo não envolvido, sob condição de anonimato.
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