Em um dia comum, uma alta de 1,5ºC na temperatura é quase imperceptível e não muda muito a sensação de calor ou frio. Mas, quando se trata de um aumento médio de 1,5ºC no termômetro do aquecimento global durante vários anos, as consequências são catastróficas para o planeta, levando a mudanças climáticas severas com grande impacto ambiental e social.
Na prática, se isso ocorrer, ondas de calor extremas se tornarão ainda mais frequentes e, a partir delas, o sistema climático e a vida na Terra serão levadas ao extremo. Mas como se sabe que um aumento de 1,5ºC no aquecimento global é tão perigoso? Quem definiu esta barreira? E o que acontecerá se o limite for superado?
O Portal Um Só Planeta reuniu o que a ciência já sabe sobre o assunto e explica, a seguir, por que isso é tão importante para a humanidade nas próximas décadas
O que significa a meta de 1,5ºC?
Este valor foi definido com base em estudos científicos que indicaram ser este o limite para evitar que as mudanças climáticas gerem consequências potencialmente irreversíveis para a vida na Terra. Na prática, é como se fosse um limite de velocidade na rodovia: há riscos até se ela for respeitada, mas cada km/h adicional eleva o perigo.
A meta foi estabelecida em dezembro de 2015, quando 194 países e a União Europeia assinaram o Acordo de Paris, um tratado internacional histórico para “limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais” e manter a temperatura da Terra “bem abaixo de 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais”.
É importante dizer que a meta de aumento no aquecimento global é medida em comparação à temperatura média da Terra do período pré-industrial. O principal motivo para isso é que a Revolução Industrial que começou no século XVIII e se espalhou pelo planeta ampliou em larga escala as emissões de gases de efeito estufa (principalmente os decorrentes da queima de combustíveis fósseis) e, por consequência, aumentou o aquecimento global.
Por que comprar com “níveis pré-industriais”?
O Acordo de Paris não especifica o que se entende por “níveis pré-industriais”. Para os cientistas e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), entretanto, a referência é o intervalo entre os anos 1850 e 1900, pois é uma época anterior ao uso intenso de combustíveis fósseis pelos humanos e o período mais antigo em que há disponibilidade de medições de temperatura da Terra consideradas confiáveis.
Vale ressaltar que, nesta época, já havia indícios de aquecimento decorrente da atividade humana, uma vez que a industrialização em grande escala teve início ainda nos anos 1700. Por outro lado, a ciência entende que a existência de dados mais fundamentados entre 1850 e 1900 traz maior segurança para avaliar o impacto das mudanças climáticas.
Como se sabe que 1,5ºC é o limite?
Na verdade, esta meta não significa que não haverá mudanças climáticas até que ela seja atingida. Afinal, milhões de pessoas já sofrem em todos os continentes com efeitos como ondas de calor, chuvas intensas, inundações e outros eventos climáticos extremos.
Na prática, o limite de 1,5ºC é um “alerta vermelho”. Os estudos científicos indicam que os impactos serão mais mortais caso esta barreira seja ultrapassada, em especial pelo calor mais forte, dificuldade na produção de alimentos, escassez de água, entre outros problemas — e isso se agrava para cada 0,1ºC extra de aquecimento.
Mas já não ultrapassamos o limite de aquecimento de 1,5°C?
Sim. A temperatura média diária do planeta superou 1,5 °C em comparação com a média pré-industrial em cerca de um a cada três dias no ano passado, o que resultou em um recorde de dias acima do limite definido no Acordo de Paris. Em dezembro, por exemplo, a temperatura média mensal foi 1,78 °C acima da média de 1850-1900.
Em fevereiro de 2024, pela primeira vez, o limite de 1,5 °C de aquecimento global foi superado por 12 meses completos. Esses dados foram declarados pelo Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus, da União Europeia. No período, a temperatura média mundial foi estimada em 1,52°C acima da média de 1850–1900.
Isso significa que o Acordo de Paris já foi descumprido?
Não necessariamente. O Acordo de Paris menciona “aumento de temperatura a longo prazo”, o que permite considerar que seu limite será superado quando a temperatura média do planeta for acima de 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais por um período maior, ou seja, cerca de 20 ou 30 anos, e não apenas porque houve registros de violação da meta em alguns meses ou em um único ano, por exemplo.
Como se calcula a temperatura média global para monitorar a meta?
Sendo impossível medir fisicamente a temperatura em cada ponto do mundo e fazer a média, o cálculo é realizado por uma combinação de dados. O Copernicus, por exemplo, mescla mais de 25 milhões de registros diários. O dados são extraídos a partir de observações de satélites e de sistemas de previsão, com um conjunto de informações climáticas desde 1940. O processamento dos dados para estimar a média global divide o planeta em vários quadradinhos de 30 km por 30 km. Assim, analisa a variação atmosférica em cada área.
Há previsão de quando a meta de 1,5ºC pode ser superada?
Isso está se tornando uma realidade cada vez mais próxima. Um estudo da Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgado em junho indicou que há uma probabilidade de 80% de que a temperatura média do planeta supere temporariamente 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais em pelo menos um dos próximos cinco anos.
Já o IPCC calculou no ano passado que, em meados da década de 2030, haveria 50% de possibilidade de a meta de 1,5ºC ser atingida. Entretanto, uma nova análise, a partir de dados atualizados, já prevê que isso possa ocorrer em 2029. Ou seja, a tendência é de que o aquecimento diário, mensal e em anos individuais se acentue até que a média global atinja este patamar.
Como será o planeta se a meta de 1,5ºC for superada?
O IPCC lançou em 2018 um relatório especial sobre os impactos do aquecimento global de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). Além de fazer prognósticos a partir da meta alinhada no Acordo de Paris, o estudo também se aprofundou nos efeitos de uma alta de 2ºC na temperatura média – e meio grau faz uma grande diferença.
Na prática, os modelos climáticos projetam que as maiores consequências serão o aumento na temperatura média na maioria das regiões terrestres e oceânicas, mais extremos de calor, maior ocorrência de chuvas intensas e ciclones, bem como alta probabilidade de seca.
Diante desse cenário, o IPCC alerta que limitar o aquecimento global a 1,5°C, comparado a 2°C, pode reduzir em até 50% a proporção da população mundial exposta a um aumento do estresse hídrico devido às mudanças climáticas. Também pode assegurar que cerca de 420 milhões de pessoas a menos sejam frequentemente expostas a ondas de calor extremas.
Aquecimento global e o crescimento econômico
O relatório mais recente do IPCC sobre mudanças climáticas, divulgado em março de 2023, estima que, em curto prazo, todas as regiões do mundo sofrerão riscos maiores decorrentes das alterações no clima. Entre as projeções, estão aumento nas mortes relacionadas ao calor e na transmissão de doenças. Bem como crescentes desafios em relação à saúde mental, inundações, perda de biodiversidade e queda na produção de alimentos.
O IPCC ainda projeta um menor crescimento econômico em regiões de baixa e média renda, incluindo o Brasil. Uma das razões são os efeitos das mudanças climáticas em negócios como o turismo, especialmente os mais sensíveis às variações de temperatura.
Além disso, a projeção é de que a pobreza aumente onde houver maior aquecimento global. Nas últimas duas décadas, as 55 economias mais vulneráveis ao clima já sofreram, sozinhas, danos climáticos que ultrapassaram US$ 500 bilhões.
Na prática, o que vai mudar nas cidades e quais os maiores riscos?
É difícil estimar o que ocorrerá em uma cidade específica, pois os impactos do aquecimento global são mais sistêmicos do que em um determinado local. Além disso, como este aumento de temperatura varia conforme a região, pode ser que algumas cidades sofram mais do que outras. Isso depende de sua localização.
Mas, o IPCC afirma que, com um aquecimento acima de 1,5ºC, é provável que o dobro de megacidades de hoje fiquem estressadas pelo calor. Assim, expondo mais 350 milhões de pessoas até 2050. Outra projeção é de que o número de dias quentes cresça, enquanto a intensidade e frequência de dias e noites frios seja reduzida.
Um estudo do IPCC sobre as mudanças climáticas nas cidades afirma que o calor extremo nas áreas urbanas vai aumentar a mortalidade e doenças cardíacas. Isso, principalmente, entre crianças e idosos e prejudicar a concentração e a cognição. Além disso, vai afetar o aprendizado e a educação e reduzir a capacidade de trabalho durante os horários mais quentes em 20% ou mais até 2050 – mais do que os 10% já registrados atualmente.
Dados do IPCC
O número de moradores urbanos expostos a pelo menos oito dias por ano de temperaturas superiores a 35°C passará de 66% com 1,5°C de aquecimento e pode chegar a 85% se a temperatura média global ficar 3°C acima dos níveis pré-industriais. Na prática, muitas cidades se tornarão lugares onde as temperaturas extremas prevalecerão por quase metade do ano. Densidade populacional, poluição atmosférica, pobreza e a geografia local são outros fatores que devem aumentar ainda mais a vulnerabilidade.
De acordo com o IPCC, as cidades estarão expostas ao dobro do nível de estresse térmico em comparação às áreas rurais no entorno. A pesquisa ainda destaca que existe “um nível desproporcional de exposição” em cidades subtropicais. Essas estão sujeitas a temperaturas quentes durante todo o ano e umidade mais alta, como São Paulo (SP).
No Brasil, que cidades ou regiões podem ser mais impactadas com o aquecimento excessivo?
Não existe uma projeção sobre o que ocorrerá em cada cidade se a meta de 1,5ºC for superada. Mas alguns estudos têm trazido análises mais específicas. Um deles, feito pela organização sem fins lucrativos CarbonPlan e o The Washington Post, avaliou 15.500 municípios e calculou quantos dias de calor — temperatura média de 32ºC ou mais — cada um deles poderá enfrentar ao longo de um ano.
Quem encabeça o ranking é Pekanbaru, na Indonésia, que pode ter 344 dias de calor extremo em 2050, o equivalente a 94% do ano. Há cidades do Brasil na análise, apesar de não haver, por exemplo, dados de capitais como Brasília e São Paulo. A maioria das que correm mais riscos, segundo a pesquisa, ficam localizadas no Norte e Nordeste.
Manaus é a que tem o maior número de dias de calor extremo previstos em 2050: 258 ou quase nove meses. Considerando os municípios que terão mais de 100 dias com médias iguais ou superiores a 32ºC, a lista brasileira inclui Belém (222 dias), Porto Velho (218), Rio Branco (212), Boa Vista (190), Macapá (185), Cuiabá (168), Palmas (158) e Teresina (155).
Fonte: Leandro Becker / Um Só Planeta
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