Um pedacinho do estado do Rio de Janeiro cuja tradição é atrair turistas com belas paisagens naturais e refresco em águas cristalinas. A Região dos Lagos tem investido em cuidar de si nos últimos anos, e ganhou fôlego, não só com melhoria em questões ambientais, como tem sido redescoberta. As mudanças são perceptíveis em diversos aspectos, com chancela que vai desde certificados internacionais, premiações e o ressurgimento de espécies quase desaparecidas. O trabalho é feito a muitas mãos, num esforço coletivo que une os dez municípios da região.
Um ambiente natural próximo que também mostra sua recuperação é no município vizinho, com a Lagoa de Saquarema, cercada pela cidade que dá seu nome. A prática de esportes tem aumentado, tanto por meio de aulas e encontros como com campeonatos, e migração de espécies de pássaros, como os flamingos vindos do Chile e as batuíras do Canadá, um bioindicador da recuperação local.
O entendimento de que o trabalho coletivo traria resultados mais efetivos já mostra seus frutos. Uma das conquistas é a despoluição da Lagoa de Araruama, maior laguna de água salgada do mundo, — que banha as cidades de Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio, Arraial do Cabo e Araruama. São muitas as mudanças que corroboram essa nova boa fase. Duas praias lagunares — a de Ubás, em Iguaba Grande, e a das Pedras de Sapatiba, em São Pedro da Aldeia — pela primeira vez conquistaram Bandeira Azul, com a temporada 2023/2024. A certificação atesta uma série de critérios com foco em gestão ambiental, como qualidade da água, atividades de educação ambiental, ações de segurança e serviços e turismo sustentável. A vida marinha também se mostrou ainda mais presente, com aumento de 26% no volume de peixes e crustáceos capturados entre março e dezembro do ano passado, comparado ao mesmo período em 2022, e o reaparecimento de cavalos-marinhos.
Região dos Lagos
Já não é segredo que um dos points queridinhos para fotos nas redes sociais em dias ensolarados é a Arubinha, ou Ponta de Alcaíra, em Arraial do Cabo. A areia branca se estende numa espécie de corredor em direção à água cristalina, visto com destaque nas horas de maré baixa, o que dá um charme e a cara do lugar. Antes de chegar ao paradisíaco cenário é preciso enfrentar um caminho de areia, por vezes fofa que cria um atoleiro, em poucos minutos ao sair do asfalto do bairro Figueira.
A travessia exige atenção. A melhor opção é a escolha de carros com tração nas quatro rodas para evitar ficar atolado. A região, um destino turístico cada vez mais conhecido, tem movimento constante, e ainda bem longe de um trânsito intenso. Se atolar, a sorte é contar com a ajuda de visitantes que passam com o mesmo destino. Os acelerados “táxis buggys” cobram o passeio por hora, contando deslocamento e tempo de espera, e não desviam do caminho para dar uma mão na roda aos desavisados. Percorrer a pé fica fora de cogitação, com cerca de 4 quilômetros, a vegetação praticamente rasteira não fornece sombras para a caminhada de uma hora.
Destinos turísticos
Na reta final das férias os casais Suellen Miguel Monteiro, de 29 anos, e Carlos Vinícius Ramos de Jesus, de 35; e Selma de Sousa Silva, de 28, e Marcelo Vinícius Silva, de 34, visitavam Arubinha na última sexta-feira. Munidos de quitutes e um cooler abastecido, o plano era passar horas aproveitando a vista, alternando com mergulhos na água clara sem ondas e nas remadas com caiaque. Moradores de Friburgo e Cantagalo, a parada estava no roteiro de cinco dias pela região, que já tinha incluído passeio de barco em Arraial.
— Temos casa há uns 10 anos em Monte Alto (Arraial). Eu já tinha vindo uma vez de moto, mas desisti no meio do caminho. Agora, viemos de carro, num modelo mais alto — conta Marcelo Vinícius, que dirigia e parou para ajudar a desatolar o carro da reportagem. — Aqui é muito bonito, e viemos para que todos pudessem conhecer e aproveitar.
O turismo tem sido um dos pilares do plano de desenvolvimento regional que reúne alternativas para fomentar o crescimento da região para além dos ganhos com royalties de petróleo. Saquarema é um dos municípios mais ativos no plano de integração, apesar de embolsar de mais de R$ 1,7 bilhão no ano passado por arrecadação dos royalties, a segunda maior do país, atrás apenas de Maricá.
O que já está sendo feito
Em novembro de 2022, foi lançada a Rede de Agentes de Desenvolvimento da Região dos Lagos (Rede Lagos), em parceria com o Sebrae, com propósito de trabalhar pelo desenvolvimento integrado e colaborativo dos municípios participantes. Essa integração permite a troca, entre as prefeituras, de erros e acertos para alavancar, com agilidade, as mudanças propostas.
— Hoje, temos uma dependência muito grande de royalties. E se isso mudar e for diferente? Precisamos continuar de outras formas, daí vem a diversificação da matriz econômica, isso desde o nível municipal, com fortalecimento da classe empresarial, como turismo e comércio, gerando renda por outros setores. Isso pode ser trabalhando com os empresários, desde a capacitação e para auxiliar e fazer crescer a nível regional — conta a diretora de Projetos Estratégicos da Prefeitura de Saquarema e secretária executiva da Rede Lagos, Sarah Ramalho.
As cidades têm organizado uma série de encontros para debaterem temas em comum. No ano passado, Saquarema sediou o 1º Fórum da Economia do Mar. Neste ano, receberá a 3ª edição do Fórum Regional do Turismo Fluminense, em julho, segundo a Secretaria de Estado de Turismo (Setur-RJ), pelo segundo ano. Por meio de agendas e projetos, a pasta tem buscado estimular o aperfeiçoamento da gestão municipal do turismo.
Região dos Lagos como referência ambiental
O diretor de Áreas Protegidas e Desenvolvimento Sustentável de Saquarema, Lucas Lepesteur Giolito, destaca o calendário diversificado de atividades que o município tem construído para atrair para além do turista que vai em busca de descanso e das bonitas paisagens. A cidade, mundialmente conhecida pelo surf (com a alcunha de capital brasileira do esporte), já tem tradição em receber competições e eventos esportivos. Agora vê ampliar algumas práticas para além de sua orla marítima, num movimento crescente na principal lagoa.
— Estamos voltando a ter um calendário na nossa lagoa, alguns encontros, como de canoa havaiana e eventos náuticos. Em abril, com uma parceria da prefeitura e do Instituto Onda Azul, a Mombaça passou a ter acesso ao município, mostrando seu trabalho artesanal e local, como aproveitamento de árvore para artesanato e a gastronomia com pratos com peixes — conta o diretor. — Também na Mombaça, o avistamento de pássaros vem crescendo, buscado por pessoas até de fora do país. Aves migratórias, além das nativas, podem ser observadas na região, o que mostra a qualidade do local. A lagoa tem vários usos dependendo do trecho, como a pesca do caranguejo e do guaiamum, uma atividade tradicional muito forte.
Um dos cuidados, salienta Giolito, é a responsabilidade também no pós-evento, como o reaproveitamento de resíduos para redução do impacto ambiental. Uma das ações que exemplifica tal integração é quanto ao material do campeonato World Surf League (WSL) a partir da transformação de lonas em mobiliário urbano. Outra medida é o cercamento de áreas de proteção permanente, como a restinga, durante os eventos, que reúnem centenas de pessoas.
Evolução gradual
Moradora de Saquarema há 15 anos, Andreia Oliveira da Silva Gonçalves, de 43, conta que sempre quis se mudar para a cidade. Nos últimos 10 anos, acompanhou o crescimento, conta, inclusive na oferta de atividades ao ar livre na lagoa, como as escolinhas de kitesurf, que têm se multiplicado. No início da tarde da última sexta-feira, aproveitava a calmaria sentada à sombra de uma das tendas montadas para o Aloha Spirit, evento dedicado a esportes aquáticos, que durou 10 dias.
— Saquarema vem evoluindo muito. Mais do que dobrou de tamanho em 10 anos. E foi bom para todo mundo, como para o comércio. E tem evoluído. Quando vim para cá, não tinha nada para crianças atípicas. Hoje tem aulas de surf adaptado e de outros esportes aqui na lagoa mesmo. Sempre que tenho a chance, estou por aqui, aproveito para ver a paisagem. É muito gostoso, não tem preço — disse Andreia, sentada ao lado do filho Matheus Pereira da Silva, de 20 anos.
— Eu fiz a de canoa. É legal pra caramba — disse Matheus, ostentando uma medalha. — Também faço corrida e karatê.
— Aqui tem muitos projetos livres. Só fica parado quem quer. Sempre tem algo, e para todas as idades — completou Andreia.
Trabalho em conjunto
Para o professor e coordenador científico da Universidade Veiga de Almeida (UVA), no campus em Cabo Frio, Eduardo Pimenta, a melhoria das condições hídricas da Lagoa de Araruama, que ostenta águas cristalinas, é resultado do esforço conjunto entre diferentes poderes e atores. No final dos anos 1990, o sistema de saneamento foi passado para concessionárias. Em 1999 foi criado o Consórcio Intermunicipal Lagos São João e, em 2004, o Comitê de Bacia Hidrográfica Lagos São João, instrumentos que auxiliaram na pressão por adiantar o plano de tratamento para a lagoa, conta Pimenta:
— Essa concessão só contemplava o tratamento 20 anos depois. Com a criação do comitê, houve pressão do poder público, e as concessionárias adiantaram o plano. Foi feito cinturão de coleta para envio para as estações de tratamento, para tratar e, só então, jogar de volta no curso d’água. Hoje, a lagoa tem 85% de suas praias com balneabilidade. Voltaram a atividade pesqueira, os esportes náuticos e o turismo, e a saúde foi reestabelecida — diz. — Há, hoje, o cuidado em não aprovar nenhum empreendimento sem tratamento de seus efluentes, e preocupação dos municípios e do estado em ampliação e cuidado ambiental.
Pimenta enumera os locais que voltaram a ser frequentados dada a recuperação. As praias lagunares têm se mostrado um atrativo entre diferentes tribos. Um passeio na Restinga da Figueira, em Arraial, ou as praias do Sudoeste, em São Pedro da Aldeia, e a da Ponta da Farinha, em Iguaba Grande.
Turismo responsável e inteligente
— O case de maior sucesso é a recuperação da Lagoa de Araruama. Tem ainda mergulho em Arraial, Búzios e Cabo Frio, turismo de observação de aves, trilhas ecológicas, um potencial muito grande da história do Brasil que passa pela região, como o Museu do Surf (Cabo Frio), e Saquarema pulsando — observa Pimenta. — Arraial do Cabo está explorado muito suas praias lagunares nos últimos 4 anos. Não que tenha virado de costa para o mar, mas olhou para a lagoa, como uma forma de lazer mesmo.
Município homônimo à lagoa, Araruama tem apostado em alavancar o turismo. Em agosto de 2023, a cidade inaugurou a Orla Oscar Niemeyer, segunda maior orla urbanizada do estado do Rio de Janeiro, com 10.827 metros de extensão, integrando nove praias. A estrutura conta, entre outros, com acessibilidade, rampa de acesso às embarcações e amplo calçadão. O espaço tem atraído esportistas náuticos e de modalidades de areia e pessoas em busca de lazer. Os atrativos acabam por levar os visitantes para outros pontos da cidade, conta a secretária de Meio Ambiente, Agricultura, Abastecimento e Pesca de Araruama, Ana Paula Rodrigues:
— O (parque) Botânico das Asas também vem se destacando com a diversidade turística. Turismo científico, como o laboratório e borboletário, espaço para lazer e o Palácio das Araras têm trazido muitos turistas, inclusive internacionais.
Belezas naturais
Em Saquarema, os destaques ficam com seu conjunto de lagoas, cada uma com características únicas. A de Jacarepiá, no bairro de Vilatur, é uma lagoa de água doce perto do mar. Já a Vermelha tem indícios de estromatólitos, que, a partir da ação de micro-organismos, é a forma mais antiga de vida na Terra, além de ser hipersalina, com as águas mais salgadas do estado do Rio.
Outro destaque da renovação da região é a conquista da Bandeira Azul em duas praias lagunares pela primeira vez. O certificado é válido para a temporada 2023/2024, após os locais serem avaliados seguindo uma série de requisitos regulamentados internacionalmente. Conquistaram o selo a Praia de Ubás, em Iguaba Grande; e a Praia das Pedras de Sapatiba, em São Pedro da Aldeia. Para a próxima temporada, Arraial escreveu a Praia Lagunar de Caiçara.
A Região dos Lagos tem ainda outras quatro praias com a Bandeira Azul, no entanto, fora do sistema lagunar. São elas: Praia do Forno, em Armação de Búzios; Praia do Peró, em Cabo Frio; e Praia das Pedras de Itaúna, em Saquarema, todas estas tiveram o selo renovado, e a Praia da Azeda Azedinha, em Armação de Búzios, certificada pela primeira vez.
O trabalho continua na Região dos Lagos
— É um trabalho em grupo e é muito satisfatório quando alcançamos. Um dos 34 critérios é que nós façamos educação ambiental de forma contínua com a população local e com os turistas. Como casa do vôlei e capital do surf, queremos ser reconhecidos como a capital nacional dos esportes. E trazer essa educação ambiental agregada a esse calendário, com ações diversas em grandes eventos alcançando o público para os turistas poderem desenvolver o turismo responsável. A Bandeira Azul tem um perfil de gestão que vai ao encontro do que prega o perfil ambiental, social e de governança (ASG). A região tem se despertado para o desenvolvimento desse trabalho — observa a coordenadora Local Bandeira Azul na Praia de Itaúna, Marcelli Ladeira Gomes.
Fonte: Carolina Callegari, de O Globo
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