Por que cientistas querem criar "cofre do fim do mundo" na Lua

Um novo estudo sugere que o desenvolvimento de biorrepositórios genéticos no lado escuro da Lua é uma alternativa que poderá evitar a extinção em massa gerada pelas mudanças climáticas na Terra

Astronauta na lua
Segundo estudo, biorrepositórios da Terra já mostraram que podem sucumbir aos efeitos das mudanças climáticas. Por isso, solução para manter biodiversidade terrestre pode estar na Lua — Foto: Nasa -

Os efeitos das mudanças climáticas na Terra só devem piorar com o passar dos anos. E isso afeta não apenas os seres humanos, maiores causadores dessas alterações, mas também outras espécies da fauna, flora e fungos. Para evitar uma nova onda de extinções em massa, alguns cientistas sugerem uma maneira extrema de proteger a diversidade do planeta: criar um biorrepositório genético na Lua.

Segundo um estudo publicado na revista BioScience, o lado escuro da Lua, onde as temperaturas ficam abaixo de -200°C, pode oferecer as condições ideais para armazenar amostras de tecidos animais. Seria o equivalente de se fazer um “backup” dos dados cromossômicos existentes na Terra. Ou uma espécie de Arca de Noé 2.0, por que não?

“A vida é preciosa e, até onde sabemos, rara no universo”, lembra Mary Hagedorn, do Zoológico Nacional Smithsonian, que liderou a pesquisa, à revista Anthropocene. “Este tipo de biorepositório lunar fornece uma abordagem paralela para conservar a preciosa biodiversidade terrestre”.

Características que tornam a Lua um lugar tão hostil para a vida humana, ironicamente, também fazem dela um espaço ideal para servir como uma espécie de “cofre do fim do mundo”. A ausência de uma atmosfera significa que não há risco de mudanças climáticas, da mesma forma, a temperatura naturalmente baixa faz com que não seja necessário o uso de energia elétrica.

Limitações de biorrepositórios na Terra

Na Terra, já existem biorrepositórios desse tipo. O mais famoso deles fica na Noruega e recebe o nome de Silo Global de Sementes. Localizado na cidade de Svalbard, a cerca de 1300 km do Polo Norte, o bunker foi construído em 2008 sob o congelado solo permafrost.

O armazém tem a capacidade de guardar em seu interior cerca de 4,5 milhões de variedades vegetais. Contudo, com o aquecimento global, o espaço sofreu com uma inundação de água vinda do degelo do permafrost em 2017. Esse episódio demonstrou que as bibliotecas biológicas baseadas na Terra podem não ser tão invulneráveis quanto se pensava.

Além disso, como o Silo Global de Sementes utiliza-se das baixas temperaturas naturais da região para refrigerar o espaço, com pouco uso de instrumentos elétricos. Além disso, isso ainda limita o tipo de material que pode ser armazenado lá. Para manter tecidos animais, por exemplo, é necessário o seu repouso em ambiente a -196°C. Sem essa temperatura, os processos biológicos de degradação das células não são interrompidos.

Para chegar a essas temperaturas na Terra, são necessários muitos equipamentos e nitrogênio líquido. Mas há lugares na Lua onde os cientistas acham que essas temperaturas são a norma. Por exemplo, em crateras profundas e sombreadas nos polos da Lua e em antigos tubos de lava subterrâneos.

Funcionamento do armazém na lua

No artigo publicado, os pesquisadores imaginam um repositório no qual os tecidos da maioria das espécies da Terra seriam eventualmente armazenados. Inicialmente, eles sugerem o foco nos animais mais ameaçados de extinção.

Gradualmente, então, a amostragem seria expanda para produtores primários, polinizadores, “engenheiros” como cupins que transformam paisagens, parentes selvagens de espécies domesticadas, organismos que podem sobreviver em ambientes extremos e peixes de águas temperadas e frias.

Isso não significa, porém, que organismos inteiros serão armazenados em algum tipo de animação suspensa, como espécimes em um museu. Em vez disso, os pesquisadores propõem preservar células-chave que podem então crescer e se tornar um animal. O fibroplasto é um tipo de célula da pele que, assim como uma célula-tronco, pode ser induzida a crescer em diferentes tipos de tecidos.

A equipe já conduziu experimentos similares a partir de técnicas de criopreservação e clonagem com o peixe gobi estrelado (Asterropteryx semipunctata). Assim, obtiveram sucesso nas tentativas. Apesar disso, construir esses cofres biológicos lunares ainda são uma possibilidade muito remota.

Dificuldades do projeto

Entre algumas das principais questões ainda sem resposta pelos especialistas estão como a baixa gravidade da Lua pode afetar os fibroplastos, como protegê-los dos níveis mais altos de radiação solar e como organizar e governar esse banco de células. Sem contar que nenhum país no mundo já conseguiu construir uma estação no astro. As missões Artemis, da Nasa, têm justamente este objetivo em suas últimas fases.

Com o sucesso dos testes na Terra junto aos gobis estrelados, os pesquisadores sugerem que um primeiro passo em direção a essa solução são novos experimentos conduzidos no próprio espaço. Segundo eles, estudos na Estação Espacial Internacional (ISS) serviriam para aprender mais sobre os efeitos da baixa gravidade e testar as embalagens de proteção dessas células contra a radiação mais intensa.

Da mesma forma, os autores apontam que, no esforço de bancar a construção desse armazém, a instalação lunar poderia incluir financiadores públicos e privados de diversos países. “De longe, o maior desafio será obter a adesão da comunidade científica e de outras partes interessadas, e fazer com que as nações trabalhem juntas no plano”, explicou Hagedorn, à revista ScienceNews.

Fonte: Arthur Almeida / Revista Galileu

Receba as principais notícias sobre sustentabilidade no seu WhatsApp! Basta clicar aqui