Às vésperas da COP30, quando o mundo voltará os olhos para Belém (PA) e para as ações concretas de adaptação climática, os municípios brasileiros começam a se mover para enfrentar um dos maiores desafios do século: as mudanças climáticas. Em fevereiro deste ano, o Governo Federal lançou o AdaptaCidades, projeto voltado a apoiar estados e prefeituras com recursos técnicos e financeiros para desenvolver seus planos climáticos. A meta é fortalecer a capacidade dos governos municipais de planejar e executar políticas públicas voltadas à resiliência climática.
O investimento total previsto chega a R$ 18 milhões, provenientes do Fundo Verde para o Clima e de outras fontes. Os recursos serão aplicados na contratação de mobilizadores e facilitadores, realização de oficinas e mentorias para gestores, produção de materiais técnicos e ferramentas de apoio, além de custos logísticos e operacionais.
Ao lançar a iniciativa, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, destacou que o objetivo é mudar o paradigma da gestão pública e fortalecer os planos climáticos. “A partir dela, queremos ajudar prefeitos e prefeitas a saber onde ‘bater o martelo’. Vamos sair da gestão do desastre para a gestão do risco”, afirmou a ministra.
Em outra frente, Vitória, capital do Espírito Santo, deu mais um passo ao firmar, em 22 de outubro, o contrato que marca o início da elaboração de projetos e programas voltados ao fortalecimento da governança climática municipal.
O trabalho no plano climático começou em 2022, com a estruturação inicial do sistema de gestão climática. Assim, agora entra em fase de consolidação: serão elaborados estudos, planos e instrumentos técnicos que irão orientar ações de mitigação e adaptação aos efeitos do clima, com base em evidências científicas.
Municípios e planos climáticos
Com experiência no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o cientista e professor Emilio Lèbre La Rovere reforça que o poder público municipal é peça-chave nessa engrenagem.
“As prefeituras podem atuar, mas dependem de parcerias com outras esferas de governo, setor privado, ONGs, sociedade civil organizada e comunidade científica”, explica.
Segundo ele, os municípios têm controle direto apenas sobre setores como transporte urbano e gestão de resíduos sólidos. Por outro lado, as emissões industriais e do sistema energético estão sob responsabilidade estadual e federal. Ainda assim, há amplo espaço para ação local.
“As prefeituras podem inibir o transporte individual, investir em metrôs e otimizar o sistema de ônibus. Nos resíduos e no esgoto, que são de concessão municipal, podem exigir dos parceiros práticas alinhadas ao clima. Por exemplo, transformar o biogás em biometano e usar essa energia. No Rio de Janeiro, isso já ocorre. Em Seropédica, o gás é convertido em biometano, parte dele usado na siderurgia, reduzindo o consumo de gás natural e as emissões de CO₂”, exemplifica.
Planejar para se adaptar
Na área de adaptação, La Rovere destaca a importância de que os planos diretores urbanos incluam áreas de alagamento sem edificações permanentes. Ele lembra que cidades com mais de 20 mil habitantes têm essa obrigação legal. Muitas, no entanto, ainda não incorporaram o risco climático à sua legislação urbanística. O cientista também aponta um gargalo comum: a falta de capacidade técnica.
“Muitos municípios pequenos e médios não têm estrutura. Mas, se as cidades metropolitanas fizessem seus planos, já estaríamos em situação muito melhor. As demais podem se organizar em consórcios, como fazem para o tratamento do lixo”, sugere.
Obstáculos e caminhos possíveis
A restrição financeira é outro entrave. A maioria das prefeituras têm orçamentos comprometidos com folha de pagamento e pouca margem para investimento em infraestrutura, inovação e planos climáticos.
“Precisamos de um choque de eficiência na gestão pública. É essencial capacitar as prefeituras e a população. ONGs, consultorias e bancos como o BNDES podem apoiar. Esse tipo de ação precisa ser estimulado”, defende La Rovere.
Assim, ele acrescenta que o intercâmbio de experiências entre cidades é estratégico. “Não se trata de copiar, mas de aprender com exemplos bem-sucedidos e adaptá-los à nossa realidade. A troca de boas práticas ajuda a identificar dados relevantes e aprimorar a gestão.”
Um otimismo cauteloso
Apesar dos desafios, o professor mantém uma visão moderadamente otimista. “Tudo é relativo: há setores em que avançamos mais, outros menos. Na questão climática, já está claro que não conseguiremos limitar o aquecimento global a 1,5°C, mas podemos tentar estabilizar em 2°C. Se não tivéssemos a Convenção do Clima e o Acordo de Paris, poderíamos chegar a 6°C até o fim do século. O copo está sempre meio cheio e meio vazio”, avalia.
Para ele, o progresso existe, mas precisa ser acelerado. “Nada foi em vão. O ritmo é lento, mas é preciso ampliá-lo. Assim, devemos alinhar consciência climática e desenvolvimento sustentável”, finaliza.
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