Às vésperas da Cúpula de líderes do G20, que será realizada nos dias 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro, o diretor do Centro de Excelência do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, Daniel Balaban, reconhece o Brasil como uma liderança na pauta ambiental, especialmente ao lançar a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, com apoio das 20 maiores da economia do mundo.
O diretor do Programa Mundial de Alimentos alerta para os impactos sociais e humanitários decorrentes das mudanças climáticas, entre eles a fome, e afirma que a economia do país poderá também ser uma das mais afetadas pelo desmatamento e aquecimento global.
Em entrevista exclusiva à jornalista Adrielen Alves, como parte da produção da série de podcast “S.O.S! Terra Chamando!”, uma parceria da Empresa Brasil de Comunicação e da Casa de Oswaldo Cruz, com estreia prevista para 2025, Balaban destaca os esforços mundiais pró-planeta, e os desafios de manter a pauta ambiental como prioridade com a eleição de Donald Trump, para presidência dos Estados Unidos.
Veja os principais trechos da entrevista
Rádio MEC: Em entrevista recente, o médico infectologista, Eugênio Scannavino Netto, que mora na região amazônica, disse que a fome é a doença mais cruel decorrente das mudanças climáticas. Como senhor, que está à frente do Centro de Excelência do Programa Mundial de Alimentos, percebe a relação da fome com as mudanças climáticas?
Daniel Balaban: Eu concordo plenamente com ele. Hoje, um dos principais males do mundo é a fome. É a desigualdade social e a extrema miséria. A fome tem várias causas, mas hoje, uma das principais é exatamente as mudanças climáticas e seus efeitos. Logicamente, que tem outras formas que levam a população a sentir e a passar fome, como os conflitos armados e as crises econômicas. Mas a questão climática está no centro. Hoje, se nós quisermos o mundo sem fome, nós temos que trabalhar as questões climáticas do nosso planeta. As secas são cada vez mais persistentes, em várias áreas que antigamente não tinham secas. Temos enchentes em áreas que nós não tínhamos no passado. E isso afeta a produção agrícola de uma maneira permanente, de uma maneira forte, principalmente nos países menos desenvolvidos, aqueles que mais precisam estar produzindo alimentos para as suas famílias. Só um caso recente, o deserto Sahara. Hoje, o deserto Sahara está ficando verde porque está começando a chover lá. É lindo, mas é assustador, porque não era para acontecer isso. E outras áreas que sempre teriam chuvas como a nossa querida Amazônia, estão sofrendo com secas muito fortes. Esses desequilíbrios climáticos que são ocasionados pelo homem, pelo ser humano, têm que ser evitados. Existe uma série de medidas. Para que a gente consiga acabar, de uma vez por todas, com as questões da fome no planeta, nós temos que lidar com a questão das mudanças climáticas.
Combate à fome e segurança alimentar
Rádio MEC: O senhor falou da Amazônia, e faço referência aos ribeirinhos afetados, ora por secas, ora por cheias históricas. Mas não só as comunidades amazônicas, temos as pessoas que moram em favelas, os quilombolas. Como as Nações Unidas olham para essas pessoas, para as comunidades mais vulneráveis? E como é possível fazer justiça climática hoje, diante de tantos desafios, entre eles, o negacionismo e a divulgação de notícias falsas?
Balaban: Esse é um trabalho extremamente difícil, porque nós temos que conscientizar essas populações do que realmente está acontecendo. Porque é muito fácil algumas pessoas dizerem, assim, “mas é fim do mundo”, “é a volta de Jesus”, sabe? Porque são fatores fáceis de serem assimilados. Dizem que não têm culpa e que isso já estava escrito na Bíblia. Não há o que fazer. Isso leva as pessoas a uma inação. O que a gente tem que fazer é explicar através da ciência e da educação que esses eventos climáticos extremos estão sendo ocasionados por conta dos erros que os seres humanos estão cometendo com a nossa Mãe Terra, com a nossa Gaya. Se nós não mostrarmos isso de uma forma didática para as pessoas, elas não vão conseguir compreender. Ficou muito fácil dizer coisas que apavoram: “mas eu acho que a Terra não é redonda, até porque se fosse redonda eu cairia”. Ou seja, as pessoas não compreendem nem a Lei da Gravidade. Imagina compreenderem por que está chovendo muito ou por que que deixou de chover em determinada época? Quando algum cientista tem de explicar, é difícil. É difícil até para quem estudou compreender esses eventos. O que a gente tem que fazer é conseguir mostrar para essas pessoas, que tudo isso que está acontecendo pode ser evitado, se nós mudarmos a nossa cultura e as nossas práticas para com a nossa Mãe Terra.
Realidade do Brasil
Rádio MEC: Quando a gente fala de fome, falamos sobre a questão da desigualdade social e também da economia, inclusive dos países mais vulneráveis. Há previsões de que, em um futuro próximo, as mudanças climáticas vão impactar muito severamente o Brasil, que é um país que tem na agropecuária um forte poder econômico. Qual a sua avaliação sobre essa relação, que é mais ampla do que a gente imagina. E como a fome pode ser agravada nos próximos tempos, inclusive no Brasil?
Balaban: Já ficou comprovado pelos cientistas que o Brasil será um dos países que terá mais agravada a situação de crises climáticas extremas por conta das mudanças que estão acontecendo no planeta. Nós temos a maior floresta úmida do mundo, e não estamos cuidando dela do jeito que deveríamos. Além da Floresta Amazônica, nós temos aqui o Cerrado que tem sido devastado ao longo dos últimos anos. E tudo isso, por que está acontecendo? Por questões econômicas. O nosso sistema de planejamento agrário é focado em lucro. Temos que falar isso abertamente. Em nenhum país do mundo o lucro é o principal fator de desenvolvimento agrícola de um país. Aqui no Brasil, é. “Vou plantar o que dá mais dinheiro”. Nós começamos a não plantar mais comida e começamos a plantar grãos que servem para alimentar animais em outros países. Isso não é algo viável, mas dá dinheiro. Dá dinheiro realmente. Pagam muito bem por esses grãos. Mas para o país, isso não é uma organização de planejamento futuro para o sistema econômico, porque vai chegar no momento em que vai se degradar demais as nossas terras. Hoje, o Brasil tem mais terras degradadas do que terras agricultáveis. Nós temos mais terras que não tem plantado nada do que terras que estão produzindo. Nós temos que trabalhar essas terras que estão estragadas e temos que voltar a fazer com que existam técnicas (de recuperação). Leva tempo? Leva um ano, dois anos, três anos, mas tem que se fazer esse trabalho de recuperação das terras degradadas no país. O Brasil, hoje, tem mais terras degradadas do que terras sendo utilizadas para agricultura. E cada vez mais isso vai crescer por conta da utilização. Para pecuária ou para técnicas como essa, principalmente da soja, vamos “dar o nome aos bois”, a soja, não é? Dá muito dinheiro para quem produz, mas não é algo que seja bom para o combate à fome no planeta.
Rádio MEC: O movimento em defesa da “floresta em pé” e também do agroflorestamento vai de encontro com essa lógica só do incentivo ao lucro. Pelo contrário, pensa de uma forma mais organizada no futuro do planeta e dos humanos. Qual sua avaliação sobre isso?
Balaban: Eu acho extremamente importante. A gente trabalha muito com países africanos, ajudando-os a recuperarem as terras deles, a voltarem a colocar as pessoas para produzir. Só fazendo um paralelo aqui. O continente africano foi extremamente degradado, porque foi explorado. As pessoas foram exploradas. Hoje existe um trabalho muito forte de voltar a fazer com que as pessoas voltem a acreditar e a produzir alimentos, os pequenos agricultores familiares, com capacidade, com condições, com sementes, com todas as estruturas, para que eles possam produzir os alimentos para o que o continente precisa. O continente africano, durante muito tempo, tem precisão de comida de fora, gente trazendo comida e alimentos. E também a questão de você voltar a recuperar as florestas. A exploração degradante não quer saber. É o lucro estar acima de tudo. Se eu vou ter lucro acabando com todas as áreas dessa região, eu vou cortar todas as árvores. É assim que pensam os exploratórios, aqueles que querem explorar, para ganhar dinheiro. O dinheiro não é um meio, é um fim. Eu estou à procura do dinheiro. E nós temos que relembrar que o dinheiro é um meio. E o fim é a nossa vida, é a nossa felicidade, a felicidade do ser humano, em conjunto aqui, morando nesse lindo planeta. Se a gente não compreender isso, não voltar principalmente a aprender com as populações originárias, com os famosos indígenas em cada região, porque eles têm uma relação de muita paz, de muito respeito com a natureza. E nós não entendemos isso. Nós até fazemos chacota disso, como se eles não fossem desenvolvidos por conta dessa relação. Muito mais, eles são muito mais desenvolvidos que nós. Eu acho que está na hora de a gente ter humildade e aprendermos com os povos originários, aprendermos a ter mais respeito pela nossa natureza. Ter uma relação de amor com o planeta, uma relação de amor com todos os sistemas. Se a gente começar a não fazer isso, nós vamos sofrer as consequências. E ainda dá tempo. É que eu digo, ainda dá tempo de a gente aprender. E de a gente voltar a ter uma relação boa. Ninguém é contra o lucro. O lucro é importante. Mas o lucro tem que ser considerado de acordo com o desenvolvimento natural das coisas. A gente não pode acabar com a questão natural, acabar com a natureza para ter mais lucro. É uma questão de organização, de discussão, de leis mais definidas. O Brasil precisa disso. A gente foge muito, a gente quer desregulamento. Eu acho que tem que regulamentar mais. O agro vai ficar zangado ouvindo isso, mas eu acho que a gente precisa regulamentar mais. E vai ser bom até para os produtores. O dia em que eles trabalharem de uma forma organizada, regulamentar, respeitando a natureza, os produtos brasileiros vão ser também muito mais consumidos no exterior. O que não vem acontecendo atualmente.
G20 no Brasil
Rádio MEC: Às vésperas da Cúpula do G20, que desde as reuniões preparatórias tem discutido a questão da bioeconomia, da economia verde, e das energias limpas no cenário de mudanças climáticas. O senhor acha que esse é o caminho possível?
Balaban: Acho talvez seja a única solução. A gente tem que voltar nossos olhares, a nossa ciência principalmente, toda vez que o ser humano começa a fazer uma pesquisa em algo diferenciado, a gente chega a soluções. O ser humano é muito capaz. A gente conseguiu fazer uma vacina em menos de um ano, quando teve uma pandemia, e nunca isso tinha acontecido na história do planeta. Por que? Porque houve interesse, vontade, união, e principalmente financiamento, recursos financeiros. Sim. A questão hoje é achar recursos renováveis como fontes de incentivo a essas novas tecnologias. É extremamente importante e viável. Combustíveis fósseis, a gente já sabe o resultado. A gente já sabe o que ele pode trazer de mal para o planeta. Está na hora de a gente voltar as nossas ideias, as nossas ciências, o nosso desenvolvimento para fontes diferenciadas. Existem inúmeras. Eu acompanho muitos cientistas, já vi as coisas maravilhosas que eles estão estudando e tentando fazer. E há pouco tempo, a energia solar era pouca. Hoje, o Brasil é um dos países que mais têm energia solar e tem trabalhado a energia solar principalmente em residências e empresas. São fontes alternativas para as quais a gente deve voltar a olhar.
COP30
Rádio MEC: Estamos a cerca de um ano da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será realizada em novembro de 2025, em Belém, Pará. Será mais um momento em que todos os olhos estarão voltados aqui para o Brasil. Só que agora temos um novo cenário, com a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Ele já se posicionou de forma contrária às questões relacionadas ao clima. Então, qual é o cenário que se espera diante da possibilidade de que a maior a economia do mundo possivelmente não esteja favorável aos encaminhamentos da maioria dos países?
Balaban: O Brasil tem uma liderança natural na questão do clima. Não somente pelo fato de termos a maior floresta tropical do mundo, nós temos um país continental, com todas as condições de ser um líder. Os nossos diplomatas e a nossa política internacional sempre foram de defesa do meio ambiente, de defesa das questões climáticas. Com a COP30 sendo alojada em Belém do Pará, no ano que vem, que não à toa, fica na região amazônica, acho que é um momento muito importante para que nós coloquemos de uma vez por todas, “ou nós vamos para a ação, ou nós sofreremos as consequências da inação”. O Trump ganhou nos Estados Unidos, ele é contrário, já declarou isso. Não sou eu que estou falando, ele já falou que, no primeiro dia de mandato, ele acaba com essas questões. Vai incentivar combustíveis fósseis. Ele é contrário a tudo isso, mas ele é um presidente. Lógico que é a maior economia do mundo, mas ele é “um”. Acho que o mais importante é que todos os demais se posicionem fortemente a favor de ações contra as mudanças climáticas. Eu acho que é a única forma. Não adianta colocarmos todos os demais países, a maioria que tiver, dizendo que nós queremos tomar atitudes, nós queremos resolver esse problema. Se ele se isolar, é problema dele, entendeu? Mas eu acho que o importante é que os demais continuem. Não vamos mudar a linha por conta de percalços no caminho. Há uma pedra no caminho. A gente passa por cima da pedra ou desvia, não vai ficar chorando.
O Brasil está sempre sendo um anfitrião dessas discussões, sempre colocando a sua liderança a favor do planeta. Agora nós temos, no G20, a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. É a primeira vez no planeta que se cria uma Aliança Global contra a Fome e contra a Pobreza. Porque antes disso era retórica, era só blábláblá, discussões, discursos bonitos. Mas saía do discurso, não tinha nada colocado como objetivo num papel.
Fonte: Adrielen Alves / EBC
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