
“A floresta, os rios, os solos, os animais, o ar — todos têm o direito de continuar existindo”. O texto faz parte do Manifesto Movimento Salve a APA Aldeia – Beberibe, que, ao lado dos manifestos do Coletivo Puri Xamun Orun Puri Teyxokaw e do Povo Puri da aldeia Krim Orutu. Ele abre o Relatório Técnico Integrado – Diálogos e Contribuições da Conferência Sustentabilidade Brasil 2025, que será liberado ao público no dia 13 de outubro.
Além disso, os três documentos reforçam a necessidade de defesa da Mata Atlântica, colocando a natureza no centro das atenções. As pautas abordam também a implantação de infraestrutura hídrica, prejudicada pelo desastre da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que atingiu o Rio Doce; a retomada territorial; a soberania alimentar; e as políticas urbanas e climáticas voltadas para os povos originários. Também questionam o avanço do chamado “PL da Devastação” (PL 2.159/2021).
Território sagrado não se vende
A APA Aldeia – Beberibe foi criada em 2010 e situa-se ao norte do Rio São Francisco, em Pernambuco. Habitada por povos originários desde antes da invasão europeia, no século XVI, também serviu de abrigo a povos africanos escravizados. Além da importância histórica e humanitária, a área é um oásis de biodiversidade. Ela abriga mananciais que alimentam o Sistema Botafogo, responsável pelo abastecimento de mais de um milhão de pessoas na Região Metropolitana do Recife. Alternativas ao desmatamento foram apresentadas durante o Fórum Socioambiental de Aldeia.
Segundo o Manifesto Movimento Salve a APA Aldeia – Beberibe, esse santuário natural está ameaçado pela proposta de instalação da Escola de Sargentos das Armas (ESA), do Exército Brasileiro. A previsão é de desmatamento de 94 hectares de floresta nativa.
“Não se trata de oposição ao desenvolvimento, mas de questionar um modelo ultrapassado e violento que transforma bens comuns em mercadoria, sob o pretexto de modernização. Em plena emergência climática, derrubar mais de 200 mil árvores é uma escolha irresponsável e inaceitável.”
O documento ainda traz críticas ao Projeto de Lei 2.159/2021, apelidado de “PL da Devastação”. O texto pretende instituir o autolicenciamento ambiental. Isso permite que empreendimentos de médio impacto preencham um formulário on-line e fiquem dispensados de uma série de estudos, audiências públicas e avaliações técnicas por órgãos competentes.
Sobre o PL da Devastação
No dia 8 de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou, com 63 vetos, o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. O Planalto argumentou que as medidas garantiriam “proteção ambiental e segurança jurídica”, definidas após consulta à sociedade civil.
No fim de setembro, o Congresso Nacional apresentou 833 emendas à Medida Provisória (MP) do Licenciamento Ambiental Especial, editada pelo governo em conjunto com os vetos ao PL da Devastação. Levantamento do Observatório do Clima (OC) mostra que 74% dessas propostas retomam dispositivos rejeitados pelo presidente e 80% representam retrocessos ambientais.
Resistir é existir
Originário da Mata Atlântica, entre Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, o povo Puri enfrentou um violento processo de genocídio e etnocídio devido à localização de seu território. Chegou a ser considerado extinto nos registros oficiais, o que levou a etnia a uma condição de invisibilidade social. Atualmente, 16 comunidades Puri estão localizadas na Zona da Mata Mineira, vinculadas ao Movimento de Retomada Puri Uxo Txori, e também na divisa com o Espírito Santo.
A comunidade indígena Krim Orutu, em Itueta (MG), passa hoje por um movimento de retomada territorial, reivindicando a demarcação de sua área. No manifesto, o grupo relata viver em extrema vulnerabilidade, com falta de água e dificuldades para plantar alimentos tradicionais devido à contaminação das águas do Rio Doce.
Migrações forçadas
Há ainda grupos que vivem em centros urbanos do Sudeste. O Coletivo Xamun Orun é um exemplo. Residentes em áreas metropolitanas do Espírito Santo, realizam o projeto Txemim Puri, voltado à preservação e ao fortalecimento da cultura de seu povo.
“Muitas famílias Puri migraram, fugindo de conflitos territoriais ou em busca de melhores condições de vida. Muitas delas estão, atualmente, em grandes cidades, inclusive em capitais como Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Estão, sobretudo em periferias e favelas”, afirma o manifesto, ressaltando que calor extremo, enchentes, poluição e insegurança alimentar são problemas frequentes para esses grupos.
Entre as reivindicações listadas no documento estão: a demarcação dos territórios indígenas; o fomento à agricultura familiar e às políticas de soberania alimentar; a desapropriação de imóveis e terrenos sem função social em áreas urbanas, para a construção de projetos culturais e agroecológicos geridos por povos e comunidades tradicionais. Demandam também o reconhecimento do povo Puri pelas instituições de ensino e a criação de políticas públicas para auxílios de permanência estudantil e bolsas voltadas a grupos indígenas não aldeados.
Água e terra como direito à vida
“Nós, indígenas da etnia Puri, sofremos o apagamento gradual da nossa existência dos registros oficiais”. Com essas palavras, o manifesto do Povo Puri da Aldeia Krim Orutu denuncia a perda de identidade cultural e a desterritorialização, que levaram à equivocada visão de extinção do povo. Desde 2024, no entanto, o Comitê Interfederativo (CIF) reconhece o trabalho do grupo.
“Estamos reconhecendo-nos uns aos outros depois de tantos deslocamentos. Alguns dos nossos estão se reagrupando em processos de retomada territorial. É o caso da nossa comunidade. Outros, no entando, estão em retomadas mais fechadas, de caráter intrafamiliar.”
Apesar da reorganização territorial, ainda não há suporte humanitário que preste auxílio ao grupo. Além disso, ocorreram reiteradas solicitações por fornecimento de água potável e infraestrutura, o que coloca a comunidade em risco.
“Precisamos de materiais como caixas d’água para construir filtros à base de carvão, canos, bombas tipo carneiro para puxar a água do Rio Doce. O rio beira nossa aldeia, e podemos levá-la até uma caixa d’água maior, de distribuição”, relatam.

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