Natálya Assunção
Advogada com mais de 14 anos de experiência, especializada em Direito Empresarial, Cível e, principalmente, Direito Ambiental. Possui pós-graduação em Direito Ambiental e Urbanístico pela PUC Minas e atuação consolidada na consultoria e assessoria jurídica nas áreas empresarial e ambiental. Membro da Comissão Estadual de Direito Ambiental da OAB/ES. Membro Consultora da Comissão Nacional do CFOAB. Juíza do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/ES. Coordenadora e Professora do Curso de Direito da Doctum Serra.
A entrada em vigor da Lei n. 15.190/2025, que instituiu a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, representa um divisor de águas na política ambiental brasileira. Após décadas de debates legislativos, o país finalmente passou a contar com um marco nacional que busca uniformizar procedimentos, reduzir conflitos federativos e conferir maior previsibilidade aos processos de licenciamento ambiental.
No entanto, se a intenção inicial da norma era aprimorar a eficiência administrativa sem comprometer a proteção ambiental, a derrubada, pelo Congresso Nacional, de parte relevante dos vetos presidenciais reacendeu um alerta que não pode ser ignorado: até que ponto a busca por celeridade pode fragilizar um dos principais instrumentos de tutela ambiental previstos na Constituição Federal?
O licenciamento ambiental não é um entrave ao desenvolvimento, mas um instrumento jurídico de prevenção de danos, diretamente ligado ao art. 225 da Constituição Federal, que assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um mecanismo que antecipa riscos, avalia impactos e impõe condicionantes para que a atividade econômica se desenvolva de forma compatível com a proteção dos ecossistemas e da saúde humana.
Nesse contexto, a criação de uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental era não apenas desejável, mas necessária. A ausência de normas nacionais claras gerava insegurança jurídica, decisões administrativas desiguais e judicialização excessiva. A Lei n. 15.190/2025 surge, portanto, com um propósito legítimo: organizar, padronizar e tornar mais transparente o processo de licenciamento.
A nova lei reorganizou o sistema de licenças ambientais, mantendo as tradicionais Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO), e incorporando modalidades como a Licença Ambiental Única (LAU), a Licença de Operação Corretiva (LOC) e a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC).
Direito ambiental
A racionalização do procedimento, por si só, não é incompatível com o Direito Ambiental. Empreendimentos de baixo impacto realmente não demandam o mesmo nível de exigência técnica que grandes obras de infraestrutura ou atividades com alto potencial poluidor. O problema surge quando modelos simplificados passam a ser utilizados para atividades que exigem análise técnica aprofundada, esvaziando o caráter preventivo do licenciamento.
Um dos pontos mais sensíveis da atual configuração da Lei n. 15.190/2025 está na ampliação do alcance da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). Originalmente, na redação sancionada com vetos presidenciais, buscou-se restringir essa modalidade a empreendimentos de pequeno impacto ambiental, justamente para evitar que o licenciamento se transformasse em um procedimento meramente declaratório.
Com a derrubada dos vetos pelo Congresso Nacional, abriu-se a possibilidade de utilização da LAC para atividades de médio impacto, desde que observados critérios estabelecidos pelo órgão licenciador. Na prática, isso significa transferir parte relevante da análise ambiental prévia para o próprio empreendedor, reduzindo o papel preventivo do Estado.
Do ponto de vista jurídico-ambiental, essa ampliação tensiona princípios basilares como a precaução e a prevenção. O licenciamento deixa de atuar como filtro inicial de riscos para se apoiar, de forma excessiva, em fiscalizações posteriores — que, como se sabe, nem sempre ocorrem de maneira eficaz ou tempestiva.
Licenciamento Ambiental
Outro aspecto que merece atenção diz respeito à redução das exigências de manifestação de órgãos técnicos especializados e à limitação da participação de povos indígenas e comunidades quilombolas em determinados processos de licenciamento.
A Constituição Federal não trata a proteção desses grupos como mera formalidade administrativa. A consulta e a consideração de seus direitos são elementos centrais da justiça ambiental e da proteção de direitos fundamentais. A flexibilização dessas garantias pode gerar conflitos sociais, insegurança jurídica e, inevitavelmente, aumento da judicialização dos licenciamentos.
É inegável que o Brasil precisa de um licenciamento ambiental mais eficiente. A morosidade excessiva prejudica investimentos e compromete políticas públicas essenciais. No entanto, celeridade não pode significar fragilidade institucional.
Um licenciamento rápido, mas tecnicamente deficiente, pode resultar em danos ambientais irreversíveis, custos sociais elevados e responsabilidade jurídica futura para o próprio Estado. O verdadeiro desenvolvimento sustentável exige decisões qualificadas, baseadas em estudos adequados, participação social efetiva e respeito aos limites ecológicos.
A Lei Geral do Licenciamento Ambiental é um avanço normativo importante, mas seu êxito dependerá diretamente da forma como será aplicada. A derrubada de vetos presidenciais alterou significativamente o equilíbrio originalmente pretendido, ampliando modelos simplificados e reduzindo salvaguardas técnicas e sociais.
O desafio que se impõe, agora, é garantir que o licenciamento ambiental continue sendo um instrumento de proteção e não apenas de liberação. Sustentabilidade não se constrói apenas com processos mais rápidos, mas com decisões responsáveis, transparentes e comprometidas com as presentes e futuras gerações.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei nº 15.190, de 8 de agosto de 2025. Dispõe sobre o licenciamento ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, 8 ago. 2025.
BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Política Nacional do Meio Ambiente.
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Lei de Crimes Ambientais.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Congresso Nacional aprecia vetos à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Brasília, 2025.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2024.
SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2023.
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