Branqueamento dos corais é sintoma do colapso climático, dizem cientistas

Especialistas explicam como o aquecimento das águas oceânicas está levando 80% dos corais do mundo ao branqueamento e alertam para a urgência de conter os impactos climáticos

Branqueamento corais

A Terra pode ter cruzado seu primeiro ponto de não retorno relacionado às mudanças climáticas: o colapso dos recifes de corais. O alerta está no Relatório Global Tipping Points 2025, divulgado na segunda-feira (13), que reúne mais de 160 cientistas de 20 países. O documento indica que o branqueamento dos corais — processo provocado pelo aquecimento das águas — atingiu níveis históricos entre 2023 e 2025 e pode representar uma perda irreversível para os ecossistemas marinhos.

Os pesquisadores afirmam que o aquecimento global já superou o limite térmico de 1,2 °C acima dos níveis pré-industriais, considerado crítico para os recifes tropicais. Caso o aumento da temperatura do planeta chegue a 1,5 °C, o que pode ocorrer na próxima década, a chance de recuperação dos recifes cai para menos de 1%. Esses ecossistemas abrigam cerca de um quarto de todas as espécies marinhas e sustentam a subsistência de milhões de pessoas em comunidades costeiras.

O que está acontecendo com os corais?

Para a oceanógrafa Amanda Albano Alves, cofundadora da Bloom Ocean, o alerta global é grave, mas também uma previsão científica de um cenário em construção.

“Quando um ecossistema ultrapassa um limite que garante o equilíbrio, e a perda é tão acelerada que a estimativa é de que ele não conseguirá se regenerar, mesmo que as condições do planeta melhorem, entramos num ponto de não-retorno”, explica.

É como se o ponto de não-retorno fosse uma doença e o branqueamento, um sintoma de o quanto o planeta está em desequilíbrio“, ressalta Amanda Albano Alves

O branqueamento, explica, vem diretamente ligado ao aquecimento da Terra e das camadas mais rasas do oceano, onde estão a maior parte dos recifes de coral. “Esse aquecimento provoca o branqueamento. Os corais são animais e vivem em simbiose com algas. Quando essas algas morrem, os corais ficam expostos, perdem a cor, mas ainda não estão mortos. É como se o ponto de não-retorno fosse uma doença e o branqueamento, um sintoma de o quanto o planeta está em desequilíbrio”, complementa Amanda.

Importância social

Segundo a cientista, o relatório global mostra que 80% dos corais do mundo já estão branqueados — um percentual alarmante, considerando que eles ocupam apenas 1% da área dos oceanos, mas abrigam 25% de todas as espécies marinhas.

“Só no Brasil, cerca de 18 milhões de pessoas dependem dos corais para sobreviver”, destaca Amanda. “O estudo Oceano sem Mistérios, da Bloom, mostra que os recifes geram até R$ 167 bilhões por ano em serviços de proteção costeira e turismo.”

A oceanógrafa lembra que há uma agenda internacional de resposta, chamada The Coral Reef Breakthrough, que propõe medidas urgentes para proteger e restaurar esses ecossistemas.

“O objetivo é combater as causas da perda, como as emissões de gases do efeito estufa; aumentar as áreas de recifes sob proteção; implementar soluções inovadoras e tentar recuperar até 30% dos recifes, além de garantir novos investimentos. É difícil, mas o oceano é estratégico para o clima global. Mas temos de lembrar que ele não apenas sofre os impactos, mas também faz parte da solução”, afirma.

Branqueamento dos corais

“O branqueamento do coral não é exatamente a morte, mas a fuga das algas que vivem na sua superfície”, explica a oceanógrafa Laura Silveira Vieira Salles, doutora em Dinâmica dos Oceanos e da Terra. “Essas algas mantêm uma relação simbiótica com os corais — há troca de alimento e proteção. Quando a água aquece, elas abandonam o ambiente, que se torna inóspito. É por isso que os corais perdem a cor.”

A Terra tem ciclos naturais de aquecimento e resfriamento, porém, a ação humana está intensificando esses processos“, explica Laura Silveira Vieira Salles

Segundo a especialista, os corais podem resistir por alguns anos sem as algas, mas, se as temperaturas elevadas persistirem, a colônia morre. “Em 2019, tivemos um episódio de branqueamento massivo na costa brasileira. Parte das colônias não resistiu, mas muitas se recuperaram quando as condições voltaram ao normal. O problema é que a frequência desses eventos está aumentando”, alerta Laura.

Além do aumento das temperaturas, fenômenos como El Niño e La Niña influenciam o processo. “O que observamos hoje pode ser a resposta direta a esses fenômenos, mas há uma aceleração nas últimas décadas. A Terra tem ciclos naturais de aquecimento e resfriamento, porém, a ação humana está intensificando esses processos”, completa a oceanógrafa.

O plástico nos oceanos agrava os processos ambientais e acelera os efeitos negativos sobre o meio ambiente“, avalia Dandara Silva Cabral

A bióloga e doutoranda em Oceanografia Ambiental Dandara Silva Cabral reforça a gravidade do cenário. “Os recifes tropicais são grandes emissores de oxigênio para a atmosfera, graças às algas que fazem fotossíntese e alimentam os corais. Falar de branqueamento também é falar de uma possível redução no aporte de oxigênio global. Os oceanos são o verdadeiro pulmão do planeta.”

Dandara destaca ainda que o impacto humano vai além do clima. “O plástico nos oceanos agrava os processos ambientais e acelera os efeitos negativos sobre o meio ambiente. É um fator de aceleração de fenômenos que aconteceriam naturalmente, mas de forma muito mais lenta.”

O desafio é frear o colapso

Para as cientistas, a recuperação dos recifes depende de ações urgentes e coordenadas em diferentes escalas. “As variações climáticas são complexas e difíceis de mitigar rapidamente, mas é possível reduzir os estressores locais, como a poluição e o despejo de resíduos, e melhorar as condições do ambiente. A mitigação começa no território”, conclui Laura Salles.

O relatório também alerta para outros sistemas que podem estar próximos do ponto de colapso, como o derretimento das calotas polares e o avanço da seca e do desmatamento na Amazônia. Caso esses limites sejam ultrapassados, os cientistas afirmam que o aquecimento global poderá se retroalimentar, tornando ainda mais difícil o retorno a níveis seguros de temperatura no planeta.

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