Desastres ambientais. Aquecimento global. Tragédias irreversíveis. Pensar no meio ambiente em 2024 é se arriscar a lidar com a ecoansiedade e abraçar muitas incertezas a respeito do futuro do nosso planeta. Nesse momento de instabilidade, muitos recorrem à fé e à religião. Mas quando ela pode impulsionar ou ir na contramão da defesa do meio ambiente?
Pensando nisso, a revista Marie Claire entrevistou mulheres de diferentes religiões que falam com sobre como cada espiritualidade se relaciona com o meio ambiente e o que dizem seus escritos tradicionais a respeito da preservação da natureza.
Católica
Juraci Silveira, ex-ministra da Eucaristia, defende que o catolicismo enxerga a natureza como “uma obra divina” e, por isso, ela seria perfeita, tanto na beleza, quanto na harmonia. A religião entende que há um criador de toda a natureza que faz todas as suas obras com perfeição. Caberia aos seres humanos, então, cuidar dela. “Deus confia ao homem a responsabilidade sobre toda a criação, a tarefa de tutelar a harmonia e o desenvolvimento”, diz o trecho da Bíbila em Gênesis 1:26-30.
Por isso mesmo, preservá-la significaria “cuidar, proteger e guardar com o sentido de gratidão para com o Criador”. “Deve ser tratada com sentido de responsabilidade e adequadamente protegida, porque constitui uma extraordinária riqueza para a humanidade toda”, pontua.
A função de cada adepto do catolicismo seria respeitar “a ordem, a beleza e a utilidade de cada ser vivente e da sua função no ecossistema”. Juraci afirma que a religião condena os últimos incidentes provocados por ação humana: “São deploráveis as intervenções do homem quando danificam os seres viventes ou o ambiente natural ao passo que são louváveis quando se traduzem no seu melhoramento.”
Evangélica
A pastora Simone Lima lembra que a natureza é citada em muitos trechos da Bíblia, dada a sua tamanha importância. Ela entende que os evangélicos devem passar para os discípulos de Jesus o respeito e o cuidado com o meio ambiente. “A natureza pode ser usada como uma forma de ensinar, pois a beleza e perfeição dela são sinais da existência de um Criador poderoso e bondoso que fez um jardim lindo com várias espécies de plantas e árvores frutíferas”, conta, referindo-se ao conto de Adão e Eva.
“Somos responsáveis pelo legado ambiental que recebemos desde o princípio, pois o ser humano depende do meio ambiente e do ecossistema para a sobrevivência”, reforça.
Ela diz que costuma promover ações de conscientização a respeito do descarte do lixo e de formas de não contaminar as cachoeiras e rios. Além disso, ajuda a conscientizar os fiéis, desde a Escola Bíblica Dominical, para que desenvolvam um cuidado maior com o meio ambiente.
Umbanda
A mãe de santo Andreia Santanna, por sua vez, reitera que a umbanda trabalha com os quatro elementos da natureza, sendo eles Terra, Água, Fogo e Ar, e por isso é importante preservar a natureza para que ela “esteja sempre viva para nos auxiliar nos trabalhos da umbanda”. “Nada se faz sem a presença das folhas, as guias são sagradas”, conta.
Ela acrescenta que os seguidores da religião não devem deixar lixo e nem cacos de utensílios usados nos terreiros, descartando-os corretamente. Além disso, é importante ter cuidado com as velas, para não causar nenhum incêndio. “É preciso ter cuidado para não agredir a quem mais nos auxilia na religião, que é a natureza. Precisamos ter respeito pelas plantas”, defende. E conclui: “Sem a natureza nada é possível, porque nós trabalhamos com as energias dela”.
Candomblé
Essa religião de matriz africana também usa dos meios naturais para realizar seus ritos religiosos. A mãe Iara D’Oxum defende que “sem natureza, sem folha, não existe axé”. Ela explica: “O primeiro sangue vegetal é o das folhas para o iba orixá, onde a gente vai fazer as oferendas. A natureza é fundamental para dar um obi, para dar um bori..
Iara ainda pontua que a defesa ambiental é importantíssima para a sua religião, por isso preserva a pedra de Xangô, os rios, a praia, o mar e o meio ambiente como um todo. “A natureza em geral é um orixá. Oxóssi na mata, Ossaim nas folhas, Oxum nos rios, Iemanjá na praia e assim sucessivamente.”
A mãe Iara D’Oxum também acrescenta que, sem o cuidado com o meio ambiente, não existe o candomblé. Por isso, o povo da religião precisa entender de onde vêm os orixás, visto que eles foram criados para administrar a natureza. “Somos uma religião muito potente, afrodescendente, de ancestrais antepassados. Se a natureza acaba, toda a religião acaba”, diz.
Hinduísmo
A hinduísta Shay C. explica que, em sua religião, considera a natureza sagrada, com rios, montanhas e florestas representando deuses e deusas. “Isso aparece nos textos sagrados hindus, como os Vedas e o Bhagavad Gita, onde a natureza é tratada como uma entidade viva, com significado espiritual”, entrega
Então, conservá-la seria uma responsabilidade tanto espiritual, quanto moral. Para isso, eles têm o conceito de Ahimsa, que significa “não-violência”. O postulado se aplicaria ao mesmo tempo para os seres vivos e para o meio ambiente, gerando uma conexão direta com o karma individual. “Qualquer ação que prejudique a natureza ou os seres vivos têm consequências para quem a pratica. Muitos hindus veem o ato de preservar a natureza como uma forma de respeitar o universo e cultivar um karma positivo.”
Para ela, os hindus devem tentar viver em conjunto com o meio ambiente, agindo com “respeito e consideração”, em virtude de manter o equilíbrio natural. “Em vários rituais hindus, fazemos oferendas e orações à natureza, reforçando a ideia de viver em harmonia com o mundo ao nosso redor”, lembra.
Wicca
A bruxa wicca Blue Ametista explica que, para sua religião, a natureza é sagrada e vista como “o coração vivo e pulsante do mundo”. Ela afirma que os seguidores dessa religião sentem as energias da natureza como parte de si mesmos e de tudo o que existe.
“Nossos Deuses são manifestações dessa natureza, eles são e fazem parte de tudo que existe. Buscamos nos conectar com ela sempre que meditamos e em nossos rituais. As nossas festividades envolvem o ciclo de vida da natureza e suas estações. Logo, ela é extremamente essencial para nós, é uma extensão do nosso ser e, ao mesmo tempo, os próprios Deuses e elementais”, justifica.
Para Blue, se preocupar com o meio-ambiente é olhá-la como uma extensão de nós mesmos e o motivo da nossa própria sobrevivência. “A maioria dos praticantes da Wicca estão envolvidos de alguma forma com causas naturais e dos seres vivos. A natureza para nós, além de sagrada, simboliza a vida”, reconhece.
Budismo
Tsering Paldron, autora budista e praticante deste estilo de vida há mais de 40 anos, conta que, para os adeptos do budismo, tudo na natureza “está vivo”. “Tradicionalmente, considerava-se que todos os seres dotados de consciência – humanos e animais possuíam a natureza de Buda e por isso a vida de qualquer animal era preciosa. Hoje em dia sabemos que as próprias plantas possuem uma forma de inteligência e também reagem”, relata.
E defende: “O próprio planeta é um ser e tudo é energia – a física quântica já o demonstrou. O Budismo promove o respeito por todas as formas de vida e pelo planeta”.
Para ela, o ato de não preservar o meio ambiente implicaria em por em risco não só a nossa espécie, como todo o ecossistema planetário. “Esta questão obviamente não se levantava no tempo do Buda porque o ambiente não estava em risco então, mas como extensão natural dos princípios de bondade, não-violência e respeito pela vida, a preservação do ambiente é vista como fundamental no mundo de hoje”, pontua.
Por isso, os praticantes desse estilo de vida devem respeitar o ambiente e os animais, uma vez que defende a paz e a harmonia em todos os níveis.
Espiritismo
Amanda Vasconcelos, que reúne mais de 50 mil seguidores em seu perfil nas redes sociais voltado para espalhar conhecimento sobre o espirítismo (@amandakardec ou Espiritismo para todos), alega que, para a sua religião, os espíritos e a natureza são “resultado da mesma força geradora”, de modo que um não vive separado d outro. Sendo assim, ambos responderiam às mesmas leis universais e coabitariam devido a uma “afinidade energética”
Ela explica: “Quando falo em afinidade energética, significa dizer que quanto mais evoluído em moral é a comunidade de espíritos habitantes desse orbe, maior e melhor será sua relação com a natureza. Em contrapartida, quanto mais inferior for os habitantes de um planeta, menos valorização a natureza eles darão, pois a coabitação entre essas duas criações é indício de elevação espiritual dos presentes”.
Diante disso, Vasconcelos entende que “toda a criação de Deus tende ao equilíbrio e à harmonia”, por isso seria importante a preservação ambiental. “Como estamos todos interligados, dependemos da natureza para sobreviver e nos renovar.” E complementa, então: “Tudo que plantamos, colhemos. A preservação hoje, terá benefícios para o futuro, tanto em um âmbito coletivo, quanto individual”.
Por fim, declara: “A postura de um verdadeiro espírita com o meio ambiente é a de respeito e cooperação. Sabendo que não podemos existir e progredir em desarmonia e reconhecendo que a mesma força criadora que te gerou criou o ambiente que te cerca, você recorda-se que ela não é inferior a você, ela é igual”.
“Quando pensamos em ferir a natureza, estamos ferindo a nós mesmos. Tudo um dia já foi um átomo e tudo um dia se tornará um arcanjo. Que possamos tratar os nossos semelhantes com o mesmo amor que esperamos receber.”
Fonte: João Maturana / Marie Claire
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