Em meio às queimadas que se espalharam pelo país, atingindo de forma severa biomas como Amazônia, Pantanal e Cerrado, a Polícia Federal informou que têm 101 inquéritos em andamento para apontar culpados, e também buscar identificar mandantes, que muitas vezes não são presos em flagrante. Em meio aos recordes de incêndios, pouco menos de 400 pessoas foram presas.
Apesar da reação da força policial, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) acredita que o combate a este tipo de crime pode ser mais rápido e eficiente no Brasil. Assim, pensa que pode acontecer a partir de duas vertentes: tecnologia e gestão integrada.
O conselho, que fiscaliza e desempenha funções administrativas junto ao MP (Ministério Público), lançou em setembro o Plano Estratégico Nacional de Atuação do Ministério Público no Combate aos Incêndios Florestais e seus Impactos. Esse é um documento que critica a deficiência na “formação, capacitação, comunicação e integração da rede de prevenção, detecção precoce e pronta resposta” aos incêndios florestais, especialmente aos de intenção criminosa.
App
Um app de alcance nacional, o Radar Ambiental (disponível para iOS e Android), faz parte deste trabalho. A iniciativa visa a formação de uma rede pronta a receber denúncias e responder rapidamente a crimes ambientais e outros dentro do escopo do MP.
Com o app, qualquer cidadão pode fotografar um delito e enviar sua denúncia às autoridades, que recebem as informações com geolocalização e podem tomar providências. Diferentemente das polícias, o MP só pode atuar quando provocado.
“A gente espera que a população contribua, fazendo fiscalização, mandando vídeos, comunicando o MP, pois é uma forma mais célere para debelar o fato e chegar aos culpados. É muito importante essa compreensão do cidadão”, afirma a conselheira Ivana Cei, ouvidora nacional do CNMP e presidente da Comissão de Meio Ambiente da instituição.
Potencializar bons exemplos existentes
Estrutura ligada ao Pantanal, o MP-MS (Ministério Público do Mato Grosso do Sul), por exemplo, é referência na detecção e análise de incêndios florestais com análise de satélite. A ideia do CNMP é que essa expertise passe a ser de MPs em todos os estados. Baseada em números da AGU (Advocacia-Geral da União), a instituição estima que 20 municípios centralizam 85% dos focos de incêndio do país.
“O MS tem uma tecnologia muito avançada. Se não agirmos de forma integrada, estados sem essa tecnologia ficam sem poder fazer esse tipo de abordagem investigativa, daí a necessidade dessa integração, onde o MS pode ceder a outras organizações a sua tecnologia”, pondera Cei, ressaltando que a capacitação técnica para a obtenção e análise das imagens seria o maior obstáculo, algo que pode ser resolvido em parcerias com universidades.
“No Cerrado a gente consegue ir de avião investigar, na Mata Atlântica e na Amazônia você não consegue. O MS percebeu os estopins, os reincidentes, uma prática flagrante na região e o problema disso associado às mudanças do clima, que fazem esse fogo ficar descontrolado. Em SP os incêndios [de agosto] foram identificados como orquestrados, com 30 focos praticamente ao mesmo tempo. As tecnologias permitem identificar quem iniciou o incêndio”, observa a promotora Tarcila Gomes, que integra a Comissão de Meio Ambiente do CNMP.
O objetivo do conselho é de que em seis meses os primeiros resultados dessa integração com o app possam produzir impacto na capacidade do MP em reagir a situações de incêndio criminoso. “É o tempo para cada MP falar com as universidades e qualificar pessoas no MP, ou achar técnicos das universidades que possam prestar o serviço”, afirma a conselheira Cei.
Fiscalização e punição
No final do mês de setembro, o governo federal passou a defender uma punição mais rígida para autores de incêndios que ameacem a vida natural, como florestas e animais. A ideia é equiparar o crime ao incêndio definido no Código Penal. Assim, fazendo com que a pena para queimadas ilegais em florestas passasse de 2 a 4 anos de prisão para 3 a 6 anos.
A pauta federal estabelece ainda a possibilidade de adicionar formação de quadrilha em acusações, a depender das circunstâncias da queimada. A pena máxima poderia chegar a 18 anos em casos com agravantes. Por exemplo, incêndios em áreas de conservação e territórios indígenas, ocorrência de mortes ou risco de morte, além de impactos à saúde pública.
App como aliado
Porém, para punir, é preciso condenar. A morosidade de processos, que esbarram na dificuldade de provas que apontam o autor dos incêndios, é um obstáculo que a união entre tecnologia e gestão integrada pode ajudar a resolver, defende o CNMP.
“Isso [a dificuldade de comprovação] acontece para qualquer crime. Se houvesse monitoramento e fiscalização, nós saberíamos que tal agricultor teria ou não a possibilidade de cometer o delito. Quando você não monitora, não fiscaliza, e não tem o diagnóstico da área, é fácil para o acusado se esquivar, por isso o Ministério Público acha necessário a cultura preventiva e de fiscalização no Brasil”, afirma Cei.
A conselheira observa ainda que punições administrativas podem ser um caminho para inibir crimes ambientais, fazendo “doer no bolso” dos infratores. É preciso, contudo, aprimorar a própria tipificação dos crimes ambientais, para diferenciar o ilegal do legal. “As normas precisam, por exemplo, pontuar como fazer, como cuidar do solo, se pode utilizar o fogo, e muitas vezes o agricultor pequeno não sabe. Fica muito difícil cobrar sem a lei adequada, e existem várias versões daquele ato, pois não há uma norma para aquela situação”, exemplifica a conselheira.
Em movimento nessa direção, o governo federal conseguiu aprovar em julho no Congresso Nacional a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Assim, ela fixa diretrizes para o uso do fogo de forma controlada para prevenir e combater incêndios florestais. Bem como conservar ecossistemas e respeitar práticas tradicionais no bioma.
Fonte: Um Só Planeta / Marco Britto
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