Os incêndios que devastam o Brasil estão ocorrendo principalmente em áreas de florestas primárias, locais de vegetação nativa praticamente intocável e com grande diversidade biológica, de acordo com novos dados do Sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Em agosto, 53% dos incêndios registrados na Amazônia, 67% no Cerrado e 89% no Pantanal se deram nesses ecossistemas naturais em agosto. Em áreas onde a vegetação foi removida recentemente, os índices foram de 1%, 3% e 13%, respectivamente.
De acordo com Mariana Napolitano, diretora de Estratégia da organização socioambiental WWF-Brasil, essa condição respalda as suspeitas do governo federal de que os incêndios florestais são uma ferramenta de degradação da floresta para facilitar a limpeza do solo e o corte das árvores, associada aos altos níveis de degradação da Amazônia.
“A combinação da alteração climática provocada pelo aquecimento global com a degradação ambiental criou um cenário favorável ao uso criminoso do fogo para uma conversão da floresta que provavelmente será detectada em mapeamentos futuros sobre a área devastada na Amazônia brasileira”, ela enfatizou.
Amazônia está próxima do ponto de não-retorno
Na Amazônia, só no último mês de agosto, foram registrados 38.266 focos de queimadas na Amazônia, o maior número para o mês desde 2010. Em apenas 31 dias, o houve mais incêndios que nos oito primeiros meses do ano passado (31.488 focos).
Napolitano observou que o bioma está muito próximo do ponto de não-retorno, que é o limite calculado pela ciência a partir do qual não conseguirá mais se sustentar e se transformará em um ecossistema mais pobre, seco e degradado.
“Isso representa um altíssimo risco para nosso país, para o continente e para o planeta como um todo porque a Amazônia é um regulador climático, com importante participação no regime de chuvas da América do Sul, e um dos
Riscos para a saúde
As queimadas na região, agravadas pela seca extrema que assola o país, têm produzido uma densa nuvem de fumaça que, inclusive, se espalhou pelo Brasil, encobriu o céu e afetou a qualidade do ar, com consequências para a saúde das pessoas.
O Observatório Europeu do Clima e da Saúde pontua que a fumaça de incêndios florestais contém altos níveis de material particulado (MP), monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio. Só o MP tem alto teor de componentes oxidativos e pró-inflamatórios, o que pode levar a fortes efeitos tóxicos.
Além disso, a exposição à fuligem em áreas ao redor de um incêndio florestal pode causar irritação nos olhos e na pele (queimaduras e ferimentos). Além disso, levar ao início ou exacerbar doenças respiratórias agudas e crônicas. Também está ligada a doenças cardiovasculares e mortalidade e patologias relacionadas ao calor, como desidratação e insolação.
É importante acrescentar que ainda há os riscos à saúde mental. Pessoas afetadas por experiências traumáticas, como perda de entes queridos, danos à propriedade ou destruição de infraestrutura essencial em sua área, têm mais chance de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade e insônia.
Populações que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da fumaça de incêndios florestais incluem idosos e crianças. Além disso, pessoas com condições cardiovasculares e/ou respiratórias preexistentes e mulheres grávidas, também estão em maior risco. Outros grupos que merecem atenção são trabalhadores ao ar livre e equipes de resgate.
“Se o atual cenário de queimadas e desmatamento representa um risco para a saúde, especialmente de quem está mais perto das áreas de incêndios, e compromete a segurança alimentar das comunidades que ficam isoladas e dependem da pesca, o cenário futuro é talvez mais preocupante”, declarou Mariana.
Impactos
Isso acrescenta um fator extra de preocupação. Assim, a previsão é que o aumento das temperaturas e a alteração dos padrões de precipitação aumentarão a frequência e a intensidade dos incêndios florestais e prolongarão a época de risco. Isto é, uma emergência, principalmente, nos países mediterrânicos e nas regiões de clima temperado.
Para limitar os impactos das queimadas em áreas povoadas, algumas medidas importantes são: planejamento do uso do solo, reduzindo a expansão urbana em áreas florestais e de arbustos. Além disso, a regulamentação dos usos de terras não desenvolvidas ao redor de assentamentos. Dessa forma, a promoção de tipos de cobertura de terra com baixos níveis de risco de incêndio (por exemplo, florestas nativas maduras) e integrar vegetação lenhosa e culturas agrícolas e/ou gado.
Desmatamento caiu nas áreas da Amazônia e do Cerrado
Apesar do aumento das queimadas, uma boa notícia é que o desmatamento caiu em agosto na Amazônia, segundo o Inpe. No período, foram desmatados 501 km², uma redução de 11% em comparação ao mesmo período em 2023.
A área perdida foi a segunda menor da série histórica, atrás apenas de agosto de 2017 (278 km²). Os estados mais afetados foram Pará (191 km²) e Mato Grosso (138 km²), que representaram respectivamente 38% e 28% do total. As cicatrizes de incêndio mapeadas em agosto, porém, totalizam 4.417 km², cerca de 500% a mais que em agosto de 2023.
“O fortalecimento de medidas de comando e controle precisa continuar, os órgãos de fiscalização bem como os povos originários que preservam a floresta precisam ser valorizados e apoiados”, apontou Daniel Silva, especialista em Conservação do WWF-Brasil. “Quanto mais destruirmos a natureza, menos chuva e rios abundantes teremos. Já vemos que neste ano a seca chegou mais cedo no bioma e isso não é um fato isolado. A Amazônia requer nossa atenção e medidas efetivas de preservação.”
No Cerrado, agosto foi o quarto mês consecutivo em que a conversão da vegetação nativa caiu em comparação ao ano anterior. “Apesar desses sinais positivos, os níveis de desmatamento e conversão do Cerrado ainda são altos e preocupantes”, ponderou Silva.
Segundo ele, no período de monitoramento de referência do sistema Deter, que vai de agosto de 2023 a julho de 2024, a savana mais biodiversa do mundo perdeu 7.015 km². Isto é, cerca de 11% superior ao registrado no ano anterior. Além disso, corresponde a 37% superior à destruição média registrada na série histórica de 6 anos do Deter.
Fonte: Um Só Planeta
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