A regeneração de áreas de pasto no Brasil, degradadas com o uso contínuo para a criação de gado, é uma das corridas em andamento na transformação da agricultura e das agroflorestas nacionais para o novo cenário climático, imposto pelo aquecimento global e suas consequências. Na visão de negócio da Belterra, startup dedicada à implantação de sistemas agroflorestais (SAF), frutas simbólicas como cacau e açaí podem ser a ponta de lança nessas novas frentes no campo.
Após desenvolver modelos para diversos tipos de produtor rural, com ênfase nos pequenos e médios, a greentech com sede em Curitiba passou a assessorar pecuaristas numa migração de cultura que pode quadruplicar ganhos tornando a terra produtiva de forma sustentável. A proposta já nasceu gerando interesse em grandes players, teve apoio da Vale e parcerias com Cargill, Natura e, mais recentemente, a gigante do varejo mundial Amazon.
O cacau vem agitando o noticiário financeiro este ano, com uma disparada de preços após repetidas quebras de safra na África, onde estão os maiores produtores mundiais. A tonelada, historicamente negociada em torno de US$ 2.500 (R$ 12,8 mil), chegou a US$ 11 mil (R$ 56,5 mil) no mercado internacional durante alta em abril.
Dados da Embrapa
Segundo a Embrapa, o Brasil possui 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial para expansão agrícola, o que pode expandir a área plantada em 35% no cultivo de grãos, por exemplo. O modelo de negócio da Belterra tira o boi de cena, uma cultura associada ao desmatamento na Amazônia Legal, e aposta em frutos de alto valor agregado que os SAF podem produzir, ao mesmo tempo em que renovam o solo, tendo efeitos positivos sobre a qualidade da água e da biodiversidade dos locais onde estiver instalada -nas agroflorestas.
“É um modelo produtivo que espera 2 a 2,5 toneladas de cacau por hectare a partir do quarto e quinto ano de produção. Pensando num cenário de US$ 5.000 a tonelada, estamos falando de algo na casa de um bruto de R$ 25 mil por hectare, sem contar açaí, mandiroba, que ele pode colher no sétimo ano, e a banana e mandioca nos três primeiros anos”, explica Valmir Ortega, CEO e um dos fundadores da Belterra.
Apesar de não ser uma cultura de retorno imediato, o mercado internacional já volta os olhos ao Brasil, que vem reagindo à escassez africana de cacau se preparando para retomar um papel importante neste mercado, como já ocorreu em décadas passadas, até a ocorrência maciça de pragas nos anos 1980.
Carbono é o caminho
Para financiar a mudança do boi para o cacau, o caminho está nos créditos de carbono futuro. A Belterra, neste caso, entra como uma mediadora que garante a grandes corporações que as terras em que atua serão aprimoradas e assim poderão absorver grandes quantidades de carbono da atmosfera, algo que está sendo transformado em moeda.
No caso da Amazon, por exemplo, o dinheiro pago pela corporação americana hoje é um adiantamento para ter preferência de compra nos primeiros 10 anos, dentro de um projeto de 30 anos. Esse carbono retirado da atmosfera vai ajudar a empresa a abater emissões geradas pela sua enorme estrutura de entregas.
“Com a Amazon, o objetivo é desenvolver um modelo que antecipa esse dinheiro diretamente aos produtores. É um programa muito orientado para pequenos, e agora expandindo para médios [30 a 80 hectares]. O principal formato antecipa dez anos”, revela Ortega. Ou seja, o produtor cessa a pecuária e passa a instalar um SAF com o dinheiro que recebeu para vender, em até dez anos, seus primeiros créditos de carbono a um comprador pré-determinado, sendo que nos 20 anos seguintes, os americanos estão sinalizando interesse em manter a parceria.
Os sistemas de agroflorestas
“A renda do produto [das colheitas] é o que vai fazer a diferença imediata na renda dele, o carbono acelera a transição. Sem o carbono, o produtor não teria coragem de fazer essa transição, isso acelera e traz um dinheiro que o produtor não teria.”
— Valmir Ortega, CEO da Belterra
Trabalhando em frentes simultâneas, os sistemas de agroflorestas vão permitindo ao produtor obter renda com a venda de suas colheitas programadas. Dessa forma, usando espécies de crescimento rápido. Por exemplo a banana, enquanto cultiva bens de maior valor agregado, como açaí e madeira nobre, além do cacau. Dessa forma, ao estabelecer uma produção que gera recursos em vez de esgotar o solo, o crédito de carbono se torna uma possibilidade. Assim, esse produtor financia todo esse processo desde o começo. Isso dado o interesse das grandes corporações hoje em se adiantar nessa modalidade de compensação de emissões.
“Você cria culturas como a do cacau junto com florestas, mostra que elas podem coexistir com receitas como o carbono. Ao fazer isso, os estudos mostram maior eficiência, melhora da resiliência e sustentabilidade de cadeias essenciais. O cacau é uma delas, com projetos na Bahia, no Pará, pensando nisso. A logística é um desafio também, mas se você organiza a remuneração pensando na terra, você passa a trazer a indústria para perto da produção, isso faz parte da bioeconomia, é uma tendência”, analisa o diretor de sustentabilidade da consultoria EY no Brasil, Ricardo Assumpção.
Intermediando investimentos de grandes nos pequenos
A Belterra se formou a partir de experiências dos fundadores, tanto em funções públicas relacionadas ao meio ambiente, quanto em um primeiro pedaço de terra, onde Ortega e o sócio, Marcelo Aiub, fizeram um laboratório para explorar as possibilidades do SAF enquanto pensavam o modelo da startup. Ali foi possível visualizar como o cultivo poderia ser programado, e a partir da união com o Fundo Vale, que investe na aceleração de greentechs com foco em regeneração florestal, o negócio começou.
Em 2020, um investimento de R$ 10,5 milhões deu início às atividades da Belterra, que pôde testar e amadurecer seu modelo de negócio. “O desafio era realizar a prova de conceito, que não era demonstrar alguma escala da SAF, mas fazer em diferentes biomas, como Mata Atlântica e Amazônia, e diferentes perfis de agricultores, médios, pequenos, com menos mão de obra. Fizemos diferentes modelos de contrato”, conta Ortega.
A partir dessa experiência, os parceiros foram aumentando, e o negócio de agroflorestas da Belterra vem se consolidando com essa dinâmica: aportes de grandes empresas, aplicados em pequenos produtores, fazendo a transição de terras pouco produtivas para sistemas agroflorestais com potencial de armazenamento de carbono.
Números
“É um sistema que pode ter um faturamento bruto de R$ 25 mil a R$ 30 mil por hectare/ano em preços antigos [do cacau]. Sai de um modelo de produzir um bezerro por hectare, com renda líquida de R$ 150 por hectare/ano, para um ganho líquido de R$ 10 mil por hectare/ano ou mais, se bem produzido”, argumenta o CEO da startup.
Desde o início da parceria com a Vale, a startup já recuperou quase 3.000 hectares. Com a Natura, a greentech embarcou em um projeto de cultivo de dendê para extração de óleo de palma, que a empresa de cosméticos desenvolve há 15 anos. Hoje com 182 hectares, a meta é atingir 40 mil hectares até 2035. No negócio com a Amazon, a expectativa mínima é recuperar 3.000 hectares.
Tudo que o produtor precisa
Nas palavras de Ortega, a Belterra busca apresentar ao produtor rural uma solução completa para aderir ao SAF. Isso desde o financiamento para esta operação, passando pela assistência técnica para plantio e manejo, até a distribuição e comercialização. Assim, a depender do tamanho e expertise do produtor, a Belterra oferece uma modalidade de negócio de agroflorestas.
Os modelos de contrato levam em conta alguns desafios nessa transição. Por exemplo, a que muitas vezes significa que pais e mães estão começando uma missão que os filhos e filhas irão completar, décadas adiante. Ortega comenta que é comum a barreira cultural, em que um agricultor está há quatro gerações fazendo pecuária do mesmo jeito e terá de mudar para um sistema totalmente diferente. Por conta dessa mudança, os contratos com a startup são de, no mínimo, 10 anos.
Resolvidas as questões de financiamento e implantação do SAF, escoar a produção com eficácia será essencial para o sucesso da empreitada. “Esse produtor vai ter que aprender a negociar banana, mandioca, cacau… Mesmo para nós da Belterra, estamos apanhando muito. Um produtor sozinho não consegue isso”, comenta Ortega. Além disso, destaca a atuação da greentech na aproximação com a indústria interessada nessas matérias-primas. Dessa forma, promove um canal direto para a venda das colheitas desde o primeiro ano.
Modelos de negócio de agroflorestas
Esse know-how do processo produtivo levou a três modelos básicos de negócio para a Belterra. O mais simples para o produtor é o arrendamento, em que a Belterra assume a área por ao menos 10 anos. Dessa forma, planta, remaneja e destina a produção, fazendo pagamentos mensais ao proprietário. “O que a gente paga no primeiro ano é no mínimo quatro vezes a renda líquida da pecuária”, afirma Ortega. Após dez anos, o produtor recebe de volta um SAF em plena produção, com vida útil de mais 30 anos.
Para agricultores que querem participar do negócio e ter uma renda imediata maior, a opção é a parceria rural. O modelo é de sociedade na operação, e a Belterra entra com o investimento, ou parte dele. “Se o produtor conhece o cacau por exemplo, está confiante, pode acessar o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), um dinheiro mais barato. Se ele não pega, vai investir basicamente em mão de obra e terra. Assim, nós calculamos quanto isso vale e ele participa dos lucros, com risco”, detalha o CEO.
No contrato de integração, a Belterra é prestadora de serviços, exclusivamente. Apoia o produtor com assistência técnica e desenha o SAF. O produtor assume a dívida do financiamento, e fica com 100% dos lucros. “A gente garante a compra [das colheitas] dando solução logística, e vamos ser remunerados por serviço, com a assistência técnica paga em carbono, e a parte comercial cobramos uma taxa”, conta Ortega, ressaltando que o proprietário passa a ter produtos rastreáveis, com garantias de sustentabilidade, zero desmatamento e zero trabalho infantil, por exemplo.
Dinheiro não é problema
Dessa forma, segundo ressalta Assumpção, da EY, a regeneração de pastos degradados na Amazônia, apenas, é um negócio com potencial de US$ 2 trilhões (R$ 10,3 trilhões). Isso em cálculos de mercado, levando em conta as múltiplas frentes de impacto possíveis. O Brasil vem recebendo investimentos importantes. Por exemplo, os das big techs Apple, Microsoft e Amazon. Além disso, vêm aperfeiçoando mecanismos de financiamento e segurança jurídica para levar adiante propostas como a da Belterra.
Para Ortega, o cenário é favorável, com um fluxo de capital interessado em desenvolver propostas de crédito de carbono no Brasil. Dessa forma, apostando em soluções baseadas na natureza. “Fazer a captação de fundos é sempre uma tarefa intensiva em negociação, mas diria que é a área que a gente tem menos sofrido. Estamos no melhor momento para pensar em investir em floresta, uma mega oportunidade para startups. O desafio é o primeiro milhão. É mais difícil do que depois conseguir US$ 10 milhões. Por isso é importante ampliar esse universo de investidores no início da jornada.”
A COP30, que será realizada em Belém no ano que vem, deve levar esse aquecimento a um novo patamar. “É um business que tem um potencial gigantesco para acontecer. Quando falamos em regeneração de área degradada, temos conseguido mapear o potencial que nós temos, enxergar as fontes de receita e o impacto que ele causa. Isso deve ganhar tração principalmente como efeito da COP16 e a COP30. Esses eventos devem trazer um fluxo de capital maior do que estamos atuando, com muito mais profissionalismo e métricas mais claras. Além disso, há uma regulação mais clara e uma revisão do modelo de negócio hoje aplicado”, analisa Assumpção.
O futuro do projeto de agroflorestas
Ortega destaca a atuação da startup como geradora de conhecimento na área das agroflorestas, através do Instituto Belterra. Assim, criou um espaço que promove encontros e publicações sobre SAF, mas também outras culturas, como a cadeia do mel. Para o CEO, a oportunidade que 2025 deve trazer para as greentechs não pode ser desperdiçada. “Temos uma jornada daqui até novembro do ano que vem, teremos um momento de visibilidade único, para conectar com investidores, parceiros estratégicos. Será uma vitrine única e temos que aproveitar o máximo para dar visibilidade a soluções que só o Brasil pode construir.”
Fonte: Marco Britto / Um Só Planeta
Receba as principais notícias sobre sustentabilidade no seu WhatsApp! Basta clicar aqui