A Pan-Amazônia será anfitriã de duas das mais importantes conferências ambientais do mundo e espera aproveitar essas oportunidades para mostrar aos demais países sua força conjunta. Esse é o plano da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), que reúne Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. O bloco geopolítico e ambiental está passando por um momento de reestruturação e espera apresentar um discurso conjunto tanto na reunião da 16ª Conferência das Partes (COP) da Biodiversidade, em Cali (Colômbia) em outubro deste ano, quanto na 29ª COP do Clima que será no Azerbaijão no mês seguinte e a COP30 em Belém do Pará, em 2025.
O posicionamento conjunto ainda não está concluído, mas é reflexo da integração dos oito países, o que vem evoluindo desde a Cúpula da Amazônia, realizada em Belém (PA) em agosto de 2023. O encontro foi considerado um marco histórico e resultou em uma declaração que estabeleceu como prioridade o fortalecimento institucional da OTCA, que, apesar de ter sido criada há mais de 45 anos, estava fragilizada nos últimos anos.
Relações Exteriores de Belém
E o que mudou, 12 meses depois desse evento? “Eu diria que tudo”, comentou a diretora executiva da OTCA, Vanessa Grazziotin. O primeiro passo determinante para a reestruturação da Organização foi a reunião da sua instância máxima, os ministros das Relações Exteriores dos oito países, em novembro de 2023. Eles aprovaram, na ocasião, 29 resoluções criando diversos grupos de trabalho, reativando comissões especiais e introduzindo assuntos que antes não estavam no escopo da Organização, como segurança e saúde.
Uma novidade anunciada desde a Cúpula é o chamado “IPCC da Amazônia”, painel científico que deve produzir indicadores mais específicos da região e ser um espaço de troca de aprendizados entre diferentes instituições. “Foi criado também um grupo de trabalho para discutir a possibilidade de trazer o Parlamaz [Parlamento Amazônico] para o âmbito da OTCA”, complementa a diretora executiva.
No entanto, esses processos ainda estão em planejamento ou implementação. “Tudo na Organização precisa da aprovação dos oito países, então é um processo não tão ágil”, explica. Exemplo disso é que Grazziotin está assumindo interinamente também a posição de Secretária-Geral, já que ainda não houve aprovação unânime para esse posto.
Redes instituídas para proteção das florestas e águas
Mesmo assim, algumas resoluções já foram concretizadas, como a instalação oficial da Rede Amazônica de Autoridades de Águas (RADA), a Rede Amazônica de Manejo Integrado do Fogo (RAMIF) e a Rede Amazônica de Autoridades Florestais. “Temos vários projetos que já queremos mostrar e pretendemos ampliar muito mais até ano que vem, porque queremos chegar à COP30, em Belém, mostrando uma série de ações que demonstrem a integração entre os países aplicada na prática, não só na teoria”, reforça Grazziotin.
A Organização também atua como facilitadora em projetos criados especificamente por um país, mas que têm a ambição de integrar a região, como a criação da Comissão de Segurança Pública e Ilícitos Transfronteiriços, iniciativa brasileira. “Será uma comissão de alto nível, com os ministros da Defesa dos oito países”, detalha.
No momento, a OTCA está com diversos processos de licitação e contratação de consultorias em andamento, a fim de aumentar a robustez de suas iniciativas, e segue dando continuidade aos programas e projetos já existentes e intermediando parcerias entre os países. Em dezembro de 2023, publicou a “Avaliação Rápida da Biodiversidade e dos Serviços Ecossistêmicos da Bacia/Região Amazônica”, um estudo pioneiro sobre a biodiversidade que pode orientar políticas públicas. Dentre outros esforços, também avançou com o Programa de Ações Estratégicas (PAE), que visa melhorar a gestão dos recursos hídricos e a adaptação às mudanças climáticas, e tem promovido Oficinas Nacionais de Implementação do PAE, envolvendo o poder público e a sociedade civil.
Enquanto OTCA se estrutura, cidades estreitam relações
Na reunião de instância máxima da OTCA, em novembro, também foi formalizada a criação do Fórum Permanente de Cidades Amazônicas, visando a dialogar, decidir e defender políticas de desenvolvimento urbano sustentável dos municípios. Foi decidido, então, criar um grupo de trabalho que pode contar com convidados, como governos estaduais e bancos de desenvolvimento.
Desde a Cúpula da Amazônia, uma série de encontros entre gestores municipais têm sido realizados. Assim, tendo como mobilizador-chave o ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, uma rede internacional de governos locais e regionais voltada à promoção do desenvolvimento urbano sustentável. As sedes têm sido diferentes a cada reunião e já se tratou de tópicos como educação pela sustentabilidade. Bem como justiça climática, soluções baseadas na natureza e energias renováveis.
O Fórum também cumpre uma série de agendas temáticas para se preparar para as COPs. Isso tanto do clima quanto da biodiversidade deste ano, discutindo questões críticas como as ameaças aos recursos hídricos nas cidades. “Quando chegarmos à COP16, vamos ter de maneira muito organizada, pela voz das autoridades locais, uma série de reivindicações e sugestões, como mudanças nas regras do Fundo Amazônia, que atualmente não financia estrutura urbana”, antecipa Rodrigo Perpétuo, secretário executivo do ICLEI América do Sul.
Amazônia Urbana é pauta central
Até a COP30, é esperado que o Fórum levante, cada vez mais, a bandeira de que os desafios da Amazônia Urbana merecem mais atenção. Segundo Perpétuo, uma preocupação é que os grandes fundos climáticos não incluem essa vertente. “No entanto, 70% da população da Amazônia vive em cidades e a média de IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] é cerca de 30% menor do que a média dos seus básicos. Então, tem uma agenda grande em termos de infraestrutura, saneamento básico, gestão de resíduos e habitação, que obviamente têm repercussão em geração de emprego e renda e que, por sua vez, têm consequências para conservação da floresta”, explica.
O secretário executivo considera que as conferências globais trazem uma janela de visibilidade para defender e avançar nessas causas. Além disso, a própria institucionalização do Fórum dentro do âmbito da OTCA é fundamental para auxiliar na articulação das cidades junto aos governos nacionais.
Por meio de ações do ICLEI, alguns governos locais conseguiram estruturar documentos e processos fundamentais. Dessa forma, avançam no combate à emergência climática e que podem ajudar na defesa dessas demandas. “Queremos que as cidades da Amazônia mostrem o que estão fazendo para conseguir dar escala a esse tipo de investimento e sensibilizar a comunidade internacional para uma força-tarefa conjunta”, ressalta.
Plano de Ação Climática
É o caso do Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa, que já foi desenvolvido ou está em desenvolvimento em três cidades paraenses. São elas: Belém, Barcarena e Abaetetuba e duas colombianas (Florencia e Leticia). Florencia também concluiu o Plano de Ação Climática, que é o conjunto de medidas estratégicas do território para se tornar mais sustentável e resiliente. Belém está desenvolvendo no momento dentro do Fórum Municipal de Mudanças Climáticas, instituído por decreto municipal em julho do ano passado.
O Plano de Ação Climática de Belém se tornará um projeto de lei. Assim, deve ser submetido à aprovação na Câmara de Vereadores ainda este ano. Bem como o Plano de Desenvolvimento Municipal (antigo Plano Diretor), que está sendo elaborado de forma integrada. “É um trabalho que conta com o apoio da Universidade Federal do Pará e está sendo coordenado por arquitetos, urbanistas e outros profissionais”, acrescenta o prefeito Edmilson Rodrigues, que também é presidente do Fórum das Cidades Amazônicas.
De acordo com ele, o Fórum tem buscado ainda efetivar sua participação oficial na COP30, junto à OTCA. “Isso representaria uma força enorme para a pauta do desenvolvimento sustentável que considera a cidade como eixo estruturante”, assinala.
Acesso a financiamento segue sendo um obstáculo para Belém
Mas essa articulação em rede também tem suas dificuldades. “Acho que, de certa forma, a gente conseguiu superar o desafio de mobilizar e engajar os participantes. Mas são necessários recursos para realizar os eventos presenciais e deslocar as autoridades e técnicas para os debates. O BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] tem sido um importante apoiador, fornecendo recursos para a logística”, pontua Rodrigo Perpétuo, do ICLEI América do Sul.
Outra inquietação é que, muitas vezes, o recurso existe, mas as cidades não têm projetos qualificados para submeter. “Esse é um ponto de trabalho conjunto com instituições como o ICLEI, o BID e os governos nacionais”, resume.
Nesse sentido, Vladimir Chong, vice-presidente do Fórum Permanente e prefeito de Maynas (Peru) defende que é fundamental fortalecer as capacidades técnicas das prefeituras. Além disso, visa o financiamento de ações estruturantes, como o tratamento de efluentes, que são obras que costumam ser muito custosas. Ele também defende que é preciso atrair a cooperação global para garantir a preservação da Amazônia localmente. “As ameaças à Amazônia são um problema para o mundo todo, então é preciso que nos ajudem a mitigar os impactos”, argumenta.
O prefeito recorda que, se o tratamento de efluentes for ineficaz, os resíduos vão parar nos rios. Assim, afetando várias cadeias produtivas e traz danos à saúde da população e de outras espécies. “Para a COP da Biodiversidade, buscamos aperfeiçoar esse discurso e propostas para ajudar na conservação. Mas, sem dúvida, a COP30 de Belém vai ser a maior vitrine de atenção para nós, acredito que será a soma de todos esses esforços”, conclui.
Fonte: Alice Martins Morais / Um Só Planeta
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