Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma tecnologia promissora para reduzir os danos ambientais e restaurar áreas degradadas pela mineração de ferro. Com o emprego de bactérias, eles conseguiram recriar em laboratório as crostas ferruginosas que cobrem parcialmente áreas ricas em minérios de ferro, como a Serra de Carajás, no Pará, e o Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. Também conhecidas como cangas, elas se formaram ao longo de milhões de anos e são destruídas nos locais de retirada de minério. Agora, os cientistas conseguir encurtar esse prazo para cinco meses.
Evidências geológicas mostram que as cangas se formaram por meio da ciclagem de ferro a partir de partículas pequenas (cascalhos com tamanho de alguns milímetros até centímetros), que possuem esse elemento. “A partir disso, ciclos de dissolução e precipitação do metal se alternaram e geraram crostas extremamente duras, porque o ferro precipitado forma camadas finas (biofilmes), juntando e soldando as partículas originais umas com as outras”, explica o agrônomo Markus Gastauer, pesquisador do Instituto Tecnológico Vale (ITV-DS) e coordenador do trabalho.
De acordo com ele, que realizou a pesquisa em parceria com cientistas do Instituto Senai de Inovação em Tecnologias Minerais e das universidades federais do Pará (UFPA) e Fluminense (UFF), a ciclagem de ferro depende de microrganismos que o dissolvem por meio do seu metabolismo. A aceleração do processo pode reduzir a erosão como, por exemplo, em barrancos de estradas, além de gerar habitats para as espécies que estão restritas a essas condições.
Antes do ferro
As cangas não são apenas um fenômeno geológico. “Elas são ecossistemas rupestres, que se desenvolve em formações rochosas ricas em ferro e apresentam uma alta diversidade de micro habitats”, conta Gastauer. “Entre esses micro habitas estão lagoas, áreas temporariamente inundadas, extensas formações herbáceas e arbustivas, além de pequenas “ilhas” de florestas chamadas capões. As espécies que compõem as comunidades das cangas variam conforme a região biogeográfica onde estão inseridas, como Mata Atlântica, Amazônia, por exemplo.”
Quanto aos animais, nestes habitats ocorrem muitas espécies, que estão adaptadas às áreas abertas, como de Cerrado e Caatinga. “Podemos encontrar, por exemplo, a ave norturna Nyctibius griséus, popularmente conhecida como mãe-da-lua, o curió (Sporophila angolensis), a raposinha (Cerdocyon thous) e a anta (Tapirus terrestres)”, diz Gastauer. “Além disso, muitas outras espécies de pássaros, anfíbios e répteis vivem nesses ecossistemas.”
A vegetação, por sua vez, também possui grande riqueza, incluindo diferentes tipos de gramíneas e pequenas ervas, que possuem seu pico de floração no final da estação chuvosa. “Em 2019, foi publicada uma lista de 38 espécies de plantas com endemismo edáfico (que só ocorrem em determinados tipos de solo, nesse caso, as cangas), encontradas até então apenas nas cangas de Carajás”, conta Gastauer. “Mas reitero que desde então foram realizadas buscas em outras formações ferríferas fora da região de Carajás, e algumas delas já foram encontradas em outras áreas.”
Ecossistema em jogo
Entre elas, destacam-se os campos de Vellozia, popularmente conhecidas como canela-de-ema. “A família botânica Velloziaceae é uma das que mais possui espécies resistentes à seca”, explica. “As folhas são rígidas e cerosas, que ajudam a conservar a água, e suas raízes apresentam associação com microrganismos que auxiliam na captação e reciclagem de nutrientes.”
Toda essa biodiversidade pode ser destruída pela mineração, que, ao remover a terra para retirar os minérios, destrói as cangas e os micro habitats formados por elas. Os pesquisadores acreditam ter desenvolvido uma maneira de recriá-las. Para isso, expuseram solos ricos em ferro, ao longo de cinco meses, a ciclos de irrigação e ressecamento. “Para acelerar a ciclagem do metal, encharcamos periodicamente cascalhos com alto teor de ferro com inóculos microbianos (principalmente bactérias redutoras do elemento)”, explica Gastauer.
Com isso, a equipe conseguiu dissolver grandes quantidades de ferro. Em seguida, deixaram secar o solo, e o metal dissolvido precipitou, formando blocos e rochas resistentes. Após secar, iniciou-se outro ciclo de encharcamento. “Essa pode se tornar uma estratégia para restaurar esses ambientes e diminuir o impacto da mineração”, diz o pesquisador “Se conseguirmos restaurar essas crostas em campo, conseguiremos gerar ambientes para a fauna e para a flora raras que vivem neles.”
O grupo extraiu os microrganismos de ambientes naturais das cangas. Para isso, coletaram amostras de água, de solo e de rochas em campo, e alimentaram, inclusive com açúcar, as bactérias em meio de cultura e selecionaram as redutores de ferro. “Dessa forma, conseguimos consórcios com 200 a 300 espécies diferentes, entre elas, os gêneros Serratia e Geobacter, que já são conhecidos como redutores do metal.”
Por enquanto o trabalho foi feito apenas em laboratório. Agora, será necessário testar a tecnologia em condições de campo, para que seja possível criar habitat para uma biota naturalmente rara e estabilizar barrancos de estradas e outras estruturas suscetíveis à erosão. “Os resultados obtidos em laboratório se mostraram muito promissores”, anima-se Gastauer. “No momento, estamos fazendo testes em maior escala em condições do campo, incluindo o plantio de espécies de canga. Esperamos os resultados desses experimentos para a ampliação da escala.”
Fonte: Evanildo da Silveira / Um Só Planeta
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