Fabricando floresta, Symbiosis atrai Apple e se consolida após 15 anos de investimentos

Empresa aposta na venda de madeira nativa brasileira, com melhoramento genético, passando por preservação de parte da terra cultivada e potencial para crédito de carbono

Instalações da empresa Symbiosis
Área de mudas da Symbiosis, em Trancoso (BA). Entrada da Apple no negócio deve quadruplicar espaço. — Foto: Divulgação/Symbiosis -

Muito antes de se tornar uma empresa brasileira com a Apple em seu quadro de sócios, a Symbiosis começou com um salto de fé entre seus primeiros investidores. O risco “tendia ao infinito”, explica o CEO e fundador, Bruno Mariani. Mas isso não quer dizer que a constituição do negócio foi um tiro no escuro: após 25 anos de trabalho no mercado financeiro, o executivo viu uma oportunidade comercial na falta de pesquisa e desenvolvimento de madeira nobre de floresta brasileira.

Cerca de 16 anos depois do primeiro aporte, a startup de tecnologia verde recebe o ano de 2024 como o primeiro em que terá faturamento, com a venda de mudas de alto padrão genético para o cultivo de espécies icônicas, e ameaçadas, da Mata Atlântica, como pau-brasil, jacarandá, peroba-do-campo, louro-pardo e outras. Primeiros lotes de madeira também serão comercializados após uma década de crescimento nas terras da empresa, na região sul da Bahia. Em 2025, uma primeira venda de créditos de carbono está prevista, e, por contrato, a Apple terá direito à metade deles, com preferência para comprar o restante.

“A melhor tecnologia são as árvores, e a empresa nasce para fazer essa experiência”, afirma o diretor financeiro, Alan Batista, que vem de um histórico de iniciativas de soluções baseadas na natureza (SBN), e antes disso, uma trajetória consolidada no mercado de papel e celulose, que serviu de modelo para o negócio da Symbiosis por aliar pesquisa e foco nos lucros à excelência no melhoramento genético da madeira.

Floresta = interesse estrangeiro

O dinheiro trazido pela Apple, que mantém o valor em segredo, permitirá a expansão da área de cultivo da empresa, com novas terras para mudas e o plantio de espécies para o corte. Procurada por Um Só Planeta, a big tech preferiu não se manifestar. No modelo de negócio da Symbiosis, metade da área plantada é destinada à regeneração e preservação, remontando pedaços da Mata Atlântica com espécies nativas de alta qualidade genética. Isso garante a reserva de carbono que agora impulsiona os investimentos na empresa, antes do amadurecimento do comércio de madeira nobre, que tem ciclo mais lento, com o explica Mariani.

“A restauração da floresta tropical (com um potencial estimado de 40 milhões de hectares apenas no Brasil) tem sido o centro dos projetos apoiados pela Apple na região”, afirmou a companhia americana em comunicado sobre a parceria.

Retorno sobre investimento em árvores

“A empresa está faturando agora, mas a natureza já faturou. A gente pensava em 30 anos para espécies nativas, e 20 para as acessórias, e hoje sabemos que dá para colher nativa com 8 anos de crescimento, poucas espécies serão colhidas com 30 anos. A maior parte fica entre 8 e 15, e com a melhora genética elas se desenvolvem melhor.” O amadurecimento das pesquisas no Brasil, que ainda podem crescer muito, pode encolher ainda mais os prazos, opina o executivo.

Animais catalogados nas três fazendas da Symbiosis. Só de mamíferos, há 30 espécies registradas. Na foto, em sentido horário: tatu-galinha, cachorro-do-mato, quatis e jaguatirica. — Foto: Divulgação/Symbiosis
Animais catalogados nas três fazendas da Symbiosis. Só de mamíferos, há 30 espécies registradas. Na foto, em sentido horário: tatu-galinha, cachorro-do-mato, quatis e jaguatirica. — Foto: Divulgação/Symbiosis

Os investidores iniciais também faturaram. A venda das ações da companhia garantiu o retorno do investimento de “risco infinito” que deu início à empreitada. Hoje a Symbiosis Investimentos, o primeiro passo do negócio, controla a subsidiária Symbiosis Florestal, empresa da qual a Apple é sócia, em um acordo com expectativa de durar 15 anos. Outras companhias devem se associar ao grupo em breve, afirma o CEO, que defende a necessidade de agregar uma camada de cálculo financeiro ao negócio ambiental.

“Se não tiver um business cuidando da floresta, ela não vai para frente”, diz Mariani, explicando como buscar a lucratividade pode impulsionar a restauração e preservação. “A pergunta dos sócios era como tornar rentável o negócio de restauração com nativas. Fui construindo isso. Ao longo desses 15 anos a gente fazia aporte todo ano, com orçamento anual, consultoria internacional, passava a informação a todos sobre compras e projeção de aporte. Em 2017, com um trabalho de identificação do retorno financeiro, se confirmou a rentabilidade.”

Outras grandes multinacionais

A entrada da Apple no negócio confirma a viabilidade, assim como outras greentechs do Brasil impactadas pela entrada de gigantes da tecnologia, como Amazon e Microsoft, atraídas pelo carbono mas também pela responsabilidade social que projetos de SBN carregam consigo. A engenharia financeira para alcançar o êxito nesse negócio, porém, não é simples. No caso da Symbiosis, foram R$ 70 milhões em investimentos para chegar a 2024 e faturar. A necessidade de fôlego explica porque o negócio da silvicultura aliada aos créditos de carbono é uma área operada por grandes investidores, focados no longo prazo.

Propriedade da Symbiosis antes da restauração (direita) e depois (esquerda). — Foto: Divulgação/Symbiosis
Propriedade da Symbiosis antes da restauração (direita) e depois com floresta (esquerda). — Foto: Divulgação/Symbiosis

Renda do carbono impulsiona P&D

“O carbono deve ser visto como um meio, não como um fim. Ele é uma alavanca para uma economia de baixo carbono e nos ajuda a restaurar mais áreas, estamos produzindo madeira e o carbono nos ajuda a chegar lá. Pensar no carbono como única fonte de renda é um risco e por isso gostamos de diversificação. Estamos em uma rota virtuosa para florestas, sistemas agroflorestais, regeneração, insumos alternativos, interessantes do ponto de vista do carbono”, observa Batista. “A posição do Brasil nesse mercado é muito privilegiada. Viemos de uma história de agricultura e silvicultura de ponta, uma liderança mundial.”

“Se esses caras não derem certo, corremos o risco de não dar certo como sociedade. É muita expertise unida, e dinheiro. O privado é quem vai ter que fazer acontecer. Eles trazem a melhor tecnologia, o melhor conhecimento”, avalia Miguel Calmon, consultor sênior no World Resources Institute (WRI). O projeto Verenas, do instituto, teve papel fundamental na trajetória da Symbiosis, gerando acesso à maior base de dados disponível no Brasil sobre o cultivo de espécies nativas e seu melhoramento genético, que era até então um estudo de 30 anos de duração da Fundação Vale.

Monitoramento de floresta

O WRI contribui com estudos, procurando barreiras para o produtor plantar espécies nativas, apontando e costurando soluções. “Mostramos que um dos problemas eram as taxas, que inviabilizavam o plantio [de espécies nativas] pelos produtores. A ciência assim embasa a tomada de decisão do poder público. Agora estamos pesquisando para saber como plantar madeira nativa com a mesma qualidade do exemplar em ambiente natural” relata Calmon. “A Symbiosis é um caso de perseverança e pé no chão e está aí para inspirar.”

Aplicativo para iPhone permite avaliar estado das árvores no cultivo da Symbiosis. — Foto: Divulgação/Apple
Aplicativo para iPhone permite avaliar estado das árvores e da floresta no cultivo da Symbiosis. — Foto: Divulgação/Apple

Na sociedade com a greentech brasileira, a Apple entra nos negócios de carbono, biogenética e madeira certificada. Esses três nichos em que a tecnologia da empresa pode estar mais presente do que se imagina. O amplo acesso a imagens de satélite permite uma avaliação mais precisa na hora de adquirir novas terras. Enquanto isso, no chão, um aplicativo desenvolvido para o iPhone possibilita monitorar as árvores em crescimento. Além disso, avalia sua estrutura e saúde até que esteja apropriada para o corte, ou ainda, avaliar e manter áreas de preservação.

As frentes de negócio da Symbiosis

Em seu dia a dia, a Symbiosis fabrica florestas. O valor agregado do produto da empresa começa pela pesquisa genética de espécies da Mata Atlântica. Essa busca, passa por propriedades privadas, áreas de preservação e mesmo reservas indígenas. Essas áreas mantém acordos com a greentech para avaliar árvores com a melhor genética possível. Assim, colhem suas sementes e levando para o laboratório, no sul da Bahia. O ideal é ter uma linhagem de árvores boas para o corte, com crescimento robusto e retilíneo. Ao mesmo tempo, esses “filhotes” são excelentes povoadores das áreas de restauração da empresa, por serem espécies nativas do Brasil, o que impulsiona a biodiversidade local, beneficiando o solo, a água e toda a vida ao redor.

A empresa usa espécies exóticas também, em arranjos de sistemas agroflorestais. O mogno africano, por exemplo, ajuda a gerar fluxo de caixa, produz sombra para o jacarandá e cresce antes, explica Batista. “Temos trinta famílias diferentes nas espécies que trabalhamos. Seleciono indivíduos, recombino e produzo clones… isso nunca para. Ao fazer isso, crio uma reserva genética para um bioma muito ameaçado, que pode ser desmatado, pegar fogo, e essa genética pode ser usada em recuperações.”

Comércio

A venda dessas mudas é também uma frente de negócio. Além disso, ao se comprometer em preservar a metade de sua área plantada, a empresa constrói um reserva de carbono, que, após ser certificada, gera créditos que interessam a companhias em busca do netzero, como a Apple, virando uma fonte de renda e também uma porta de entrada para novos investidores.

E por fim, a venda da madeira é um negócio com potencial, como previa Mariani. “A madeira serrada é um mercado de cerca de 800 milhões de toneladas e o Brasil exporta 400 mil. Nos Estados Unidos, um carvalho demora 90 anos para ser colhido e tem uma indústria enorme, que passa de pai para filho. Dessa forma, é claro que o Brasil vai ter uma vantagem nesse negócio, assim como tem na soja, no gado. Mas para isso é preciso ciência, engenharia ambiental na veia”, comenta o CEO.

Negócio certo na hora certa

Ao apostar no potencial brasileiro para madeira, sem perder a sustentabilidade de vista, a Symbiosis hoje respira aliviada como uma empresa certa na hora certa. A COP30, a ser realizada em Belém, em 2025, ainda deve trazer uma atenção maior para as SBNs que o Brasil tem a oferecer, um produto que empresas e governos do mundo inteiro têm interesse em apoiar e comprar.

Mariani, que lembra quando era chamado de “maluco” por alguns dos investidores a quem levou sua proposta inicial, em 2008, hoje descreve o caminho das pedras para que novas Symbiosis venham a prosperar no país.

“A ciência é muito importante no processo, e recursos de longo prazo. Essa é uma atividade intensiva de capital como o aço, o petroquímico, o alumínio, são empresas com retorno demorado, com muito capital investido antes, mas depois que começa o fluxo de caixa você vai embora. A pior coisa que pode ter é começar o processo e parar no meio. O que resume tudo é planejamento, sem isso está fadado ao fracasso.”

— Bruno Mariani

Relação da Symbiosis com a floresta

A Symbiosis entra agora em sua segunda fase, onde vai investir em ampliar sua produção e sua lucratividade. Novos desafios, como tecnologia de serragem, secagem de madeira, se colocam imediatamente no horizonte, sendo a meta alcançar um aproveitamento de até 80% das toras, quando há madeireiras que aproveitam 20%.

Mariani se diz otimista, e acredita que no futuro a silvicultura e a madeira podem ser uma fatia importante do PIB, desde que haja apoio governamental, com incentivos fiscais, por exemplo, para impulsionar a nova indústria. “Minha atividade se resume a preparar essa empresa para os próximos 30 anos e uma próxima etapa para os próximos 100 anos”, vislumbra o CEO.

Fonte: Marco Britto / Um Só Planeta

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