Financiando o futuro “azul”: como a filantropia pode ser um motor para a proteção dos oceanos

Iniciativa da UNESCO em parceria com a Fundação Grupo Boticário reúne fundações filantrópicas no Rio para debater potencial de colaborações e parcerias para a conservação marinha

Foto: PixaBay -

“Estamos aqui para falar do futuro dos oceanos, mas principalmente das ações que precisam ser tomadas hoje. Desenvolver a visão de um oceano saudável e forte sustentado pelo conhecimento científico e troca de saberes”. A fala de Julian Barbière, Coordenador Global da Década do Oceano da UNESCO-IOC, dá o tom de colaboração, filantropia e pró-atividade que promete embalar os encontros do 4º Diálogo das Fundações, iniciativa da UNESCO em parceria com a Fundação Grupo Boticário.

O encontro internacional realizado pela primeira vez na América Latina busca traçar ações, somar forças e investimentos a favor da sustentabilidade marinha. O local não poderia ser outro: as reuniões, iniciadas no dia (3), acontecem até quinta-feira (5) no Museu do Amanhã, que repousa sobre as águas da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. A série de reuniões faz parte da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), iniciativa-quadro da ONU que busca conscientizar sobre a importância dos oceanos e mobilizar atores públicos, privados e da sociedade civil organizada em ações pela conservação marinha.

Com 70 países e mais de 23 mil pessoas envolvidas diretamente, o projeto busca expandir o engajamento, especialmente de países em desenvolvimento e comunidades locais. “O ano de 2024 será crucial para avaliar o impacto e alinhar recursos financeiros para melhorar a colaboração global, especialmente com o crescente destaque dos oceanos no contexto do G20”, pontuou Barbière. Segundo ele, é necessário um investimento anual de US$ 500 milhões para implementar soluções propostas.

Mobilização privada

Em discurso inspirado, Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, destacou como o oceano nos conecta a todos. “Quando era criança, eu me maravilhava com as aventuras do Jacques Cousteau, buscando entender melhor o oceano para melhor protegê-lo”, contou. E frisou: “menos de 0,2% do PIB é direcionado para a conservação da natureza, quando ao menos 1% seria necessário. Precisamos mobilizar outros setores para se unirem a nós”. Ao longo de 30 anos de atuação, a Fundação Grupo Boticário destinou 25% de seus investimentos para projetos de oceanos no Brasil, e já apoiou mais de 1.700 iniciativas em várias frentes em todos os biomas no país.

Programação

Além da necessidade de mobilização de recursos e financiamento, o primeiro dia de encontro também abordou a importância da comunicação e divulgação para aumentar a conscientização sobre a urgência de desafios globais como mudanças climáticas, poluição marinha e perda da biodiversidade que ameaçam os mares. Um estudo da Fundação divulgado na Conferência dos Oceanos das Nações Unidas de 2022 apontou que 40% dos brasileiros acreditam que suas atitudes não impactam em nada os oceanos.

Garantir que ondas de ciência e cultura oceânica se propaguem na sociedade é chave para mobilizar atenção pública e avançar políticas positivas em prol dos oceanos. Novamente, o papel da filantropia e do setor privado pode ser decisivo. “São grupos que têm o potencial de fazer parte desse movimento de transformação, mas que muitas vezes não fazem porque não se entendem parte do processo. Então, a gente busca gerar uma energia de agregação dessa imensa comunidade de filantropia, de grandes fortunas e de empresas que podem direcionar de forma muito sábia o recurso para as ações da Década dos Oceanos”, disse ao Um Só Planeta Alexander Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da USP, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), e que está à frente da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano.

Fabrício Bozzato, Oskar Metsavaht, Malu Nunes, Fabio Eon, e Julian Barbière durante o Diálogo das Fundações. — Foto: Carol Machado / Fundação Grupo Boticário

Ong’s e universidades

Cientista atento às possibilidades de expandir a ciência e cultura oceânica, ele lembra que o impulso de gerenciamento costeiro que o Brasil teve há cerca de 20 anos foi promovido pela organização latinoamericana Fundación Avina. Agora, diante dos desafios complexos de um mundo em aquecimento, é preciso que a ciência e as ações para a transformação ganhem escala global. Então. como fazer isso? Para Turra, a filantropia, juntamente com bancos de desenvolvimento, empresas e fundações de amparo à pesquisa, devem internalizar a agenda oceânica para superar desafios que dependem de financiamento.

“Embora atualmente a maior parte do financiamento filantrópico no Brasil vá para assistência social, saúde e cultura, a filantropia pode direcionar recursos para projetos de pesquisa, ONGs e universidades e integrar mais atores para financiar pesquisa científicas e projetos sobre oceanos” afirma o professor, ressaltando que esta é uma janela de oportunidade para criar um legado duradouro e sustentável pós-2030. Turra menciona ainda a necessidade de organizar e estruturar melhor os recursos disponíveis, facilitando a conexão entre quem tem recursos e quem precisa deles. Isso inclui capacitar prefeituras e outras instituições para gerenciar projetos e acessar fundos internacionais.

Filantropia

A filantropia, dessa forma, não só ajuda a fornecer os recursos financeiros, mas também a estruturar e catalisar parcerias estratégicas essenciais para a transformação oceânica. Assim, para a experiente Heloísa Schurmann, velejadora, escritora e ativista dos mares, a filantropia é fundamental para promover a conscientização sobre os problemas dos oceanos, como poluição e mudanças climáticas. Dessa forma, junto da família Schurmann, ela tem liderado mais recentemente a Expedição Científica Voz dos Oceanos, que percorreu cidades do litoral brasileiro para detectar a presença de microplásticos em organismos marinhos consumidos pela população, como ostras e mexilhões, em parceria com a USP.

“Não se vive de vento. Nós precisamos ter fundos, ter as fundações auxiliando financeiramente projetos como esse, mas todas as ONGs, iniciativas que estão procurando se firmar e cada vez mais se estabelecer em sintonia com a Década dos Oceanos”, disse ao Um Só Planeta, destacando a importância de recursos para também promover programas educacionais em escolas, que são essenciais para engajar a sociedade e o governo na proteção dos oceanos.

Dessa forma, entre os temas principais do primeiro dia do encontro sobre filantropia e oceanos, destacaram-se os seguintes:

Financiamento e colaboração

A necessidade de aumentar significativamente o financiamento e os recursos para ações e fortificar a governança. Isso inclui o desenvolvimento de políticas e instrumentos financeiros para garantir a sustentabilidade das ações existentes e futuras. A importância da co-criação e colaboração transdisciplinar foi enfatizada. O Belmont Forum, por exemplo, um mecanismo de financiamento multilateral que reúne agências de fomento de todo o mundo, se sobressai como um processo colaborativo e “codesenhado” que desempenha um papel crucial na mobilização de recursos e na coordenação de esforços científicos globais para abordar questões ambientais e de sustentabilidade oceânica.

Filantropia: Inclusão, conhecimento tradicional e equidade

A inclusão de pesquisadores de diferentes partes do mundo e a garantia de financiamento equitativo foram apontadas como desafios. Então a ideia é empoderar os pesquisadores para liderar projetos baseados nas necessidades de suas comunidades. Assim, o encontro contou com um painel especial sobre o tema, moderado pela advogada e ambientalista Angelique Pouponne. Ela destacou, também, que a inclusão deve ser mais do que simbólica, exigindo mudanças reais e investimentos para promover a diversidade.

A integração do conhecimento tradicional com a ciência moderna também foi apontada como crucial para a conservação eficaz. Por exemplo com projetos que combinam ecólogos e cientistas indígenas, promovendo um diálogo enriquecedor. Nesse sentido, a educação precisa ser reformada para incluir componentes de conhecimento indígena, preparando cientistas para um futuro mais inclusivo. Finalmente, a colaboração com comunidades locais e a valorização de suas contribuições são essenciais para o sucesso sustentável dos programas científicos. “A inserção das comunidades locais é o que garantirá a perenidade das políticas”, disse Pouponne.

Mudanças Climáticas e tradução da ciência para a sociedade

A relação entre o oceano e as mudanças climáticas foi discutida, destacando a necessidade de fortalecer o nexo entre esses dois elementos. Assim, para melhor compreender e mitigar os efeitos dos impactos climáticos. A inovação é crucial para evoluir na compreensão sobre o Atlântico do Sul. Estabelecer centros com novos sensores e equipamentos para melhorar a observação e a coleta de dados contribuirá para esse processo. Dessa forma, a tradução da ciência marinha para a sociedade foi mencionada como um grande desafio. Além disso, técnicas como inteligência artificial e estatísticas digitais podem ser usadas para organizar e comunicar dados de forma eficaz. Assim, construindo novas políticas públicas.

Participam do Diálogo das Fundações cúpulas de instituições como Belmont Forum, BNP Paribas Foundation (França) e Fundación Avina (América Latina). Além desses, a Fundación MarViva (América Latina), Gordon and Betty Moore Foundation (EUA) e Inter-American Institute for Global Change Research. Também participaram a International Foundation for Aids to Navigation (Reino Unido) e Khaled bin Sultan Living Oceans Foundation (Arábia Saudita). E a Ocean Policy Research Institute of the Sasakawa Peace Foundation, Oceankind, Remmer Family Foundation e a Schmidt Ocean Institute.

Fonte: Vanessa Oliveira / Um Só Planeta

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