Árvores no pasto melhoram a produtividade do rebanho bovino

Conforto térmico proporcionado pelo sombreamento faz com que bois e vacas sejam mais produtivos e elevem sua capacidade de reprodução

Rebanho em pasto
Gado pasta em área de integração lavoura-pecuária-floresta na fazenda da Embrapa, em São Carlos — Foto: Gisele Rosso / Embrapa -

Plantar árvores no pasto para proporcionar sombra ao gado tem o potencial de aumentar a produtividade da pecuária de leite e de corte, voltada ao fornecimento de carne, e melhorar a performance reprodutiva do rebanho. É o que demonstram estudos realizados por pesquisadores das unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em São Paulo e no Distrito Federal. As investigações tiveram como objetivo entender os benefícios de prover conforto térmico a touros e vacas por meio de um sistema produtivo que reúne, em uma mesma área, criação de gado, plantio de árvores e cultivo de alimentos. Conhecido pela sigla ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta), esse sistema baseia-se em uma estratégia de produção consorciada e rotativa de alimentos de origem vegetal e animal e de madeira de forma ecoeficiente (ver box).

A pesquisa que investigou os efeitos da adoção do sistema ILPF na criação de gado de corte foi conduzida pela Embrapa Pecuária Sudeste, em São Carlos, no interior paulista. A principal conclusão do estudo é de que o sombreamento das árvores em pastagens tropicais gera um microclima mais favorável às condições fisiológicas dos animais, reduzindo a frequência do consumo de água, melhorando o bem-estar animal e potencializando sua capacidade de ganhar peso

“A exposição contínua ao calor excessivo, em uma pastagem pobre em arborização, pode levar o animal a um estado de estresse térmico que prejudica a homeostase, levando a distúrbios nutricionais e metabólicos”, explica o médico-veterinário Alexandre Rossetto Garcia, coordenador do estudo, realizado com apoio da FAPESP. Homeostase é o estado de estabilidade fisiológica dos organismos vivos.

Impacto no rebanho

Sob estresse térmico, destaca o pesquisador, os animais acionam mecanismos de regulação de sua temperatura corporal, como transpiração excessiva, alteração no ritmo cardíaco e respiração forçada. “O esforço dos animais para fazer a termorregulação corporal sequestra energia que poderia ser direcionada ao ganho de peso e à reprodução”, constata. Além disso, sob estresse térmico, os bovinos tendem a sentir menos vontade de se alimentar, como ocorre com os humanos em dias muito quentes, o que também pode impactar a engorda.

A pesquisa de campo foi realizada na Fazenda Canchim, em São Carlos, pertencente à Embrapa. Foram selecionados 64 touros entre animais nelore, raça zebuína que responde por mais de 80% do gado de corte brasileiro, e canchim, resultado do cruzamento de zebuínos com taurinos (gado de origem europeia) da raça charolês. No início do experimento, os animais tinham 24 meses de idade e peso médio de 412 quilos (kg). Os touros foram divididos em dois grupos de 32. Cada conjunto ocupou uma área de 12 hectares coberta pela mesma forrageira, Urochloa brizantha, mais conhecida pelos produtores pela denominação antiga, Brachiaria brizantha.

Em uma das áreas do experimento, havia poucas árvores e o sombreamento natural estava entre 3% e 4% – condições de exposição ao Sol típicas da grande maioria dos pastos de gado de corte no Brasil. O outro terreno estava adaptado ao sistema ILPF, arborizado com 165 eucaliptos (Eucalyptus urograndis) por hectare, que geraram um índice de sombreamento entre 30% e 35% ao longo do ano.

Durante 13 meses, entre janeiro de 2018 e janeiro de 2019, os dois grupos de animais tiveram acesso irrestrito à água e suplementação mineral, que complementa a dieta, e passaram pelo mesmo manejo sanitário. Durante o experimento, que abrangeu todas as estações climáticas, os dois conjuntos foram amplamente monitorados.

Pesquisa brasileira

As duas áreas contaram com estações meteorológicas para aferição da temperatura do ar, da umidade e radiação do ambiente, entre outras variáveis climáticas. Um sistema de termografia embarcado em aviões identificou e dimensionou zonas de calor e de conforto térmico nas pastagens. Os animais, por sua vez, tinham um acelerômetro (dispositivo que analisa a aceleração do corpo) acoplado a uma coleira para observar sua movimentação e descanso. A temperatura de cada indivíduo era medida constantemente por termografia infravermelho (técnica para detecção da radiação de calor emitida por um objeto). Por fim, foram efetuadas coletas de sangue, pele e pelos. Assim, promoveu-se análises laboratoriais e verificar a capacidade de perda de calor e o estresse do rebanho.

O projeto teve a parceria das universidades de São Paulo (USP), Federal Fluminense (UFF), Federal do Pará (UFPA) e Federal Rural da Amazônia (Ufra). Duas instituições de ensino italianas, a Università di Bologna e a Università degli Studi di Milano, também participaram do estudo. Com isso, o experimento e seus resultados foram detalhados em artigos científicos nas revistas Applied Animal Behaviour Science, em 2022, Agricultural Systems e Computers and Electronics in Agriculture, ambos em 2023.

Análise térmica do gado
Registro da temperatura da superfície do corpo de um touro criado em pastagem pouco arborizada (à esq.). E de outro animal que vive em área de rebanho com árvores (à dir.) — Foto: Alexandre Rossetto Garcia / Embrapa

Sombra reduz busca pela água

Uma constatação relevante do estudo foi a redução em 26% das visitas ao bebedouro dos bois alocados na área de ILPF. Dessa forma indicando um provável efeito “poupa água”. A quantidade exata da economia hídrica é tema de nova investigação que deverá ficar pronta no próximo ano. “Planejamos fazer um mapeamento eletrônico do consumo de água no bebedouro”, diz Garcia. “Temos no país um rebanho bovino de 234 milhões de animais. A economia de água, um recurso natural limitado, pode gerar ganhos em termos da sustentabilidade da produção nacional.”

A engorda dos animais, nas duas áreas, foi idêntica, com os bois pesando ao final do experimento na casa de 650 quilos. Garcia pondera, contudo, que na área ILPF a disponibilidade de capim era de 20% a 30% menor devido ao sombreamento. “Isso significa que o grupo que pastou na área sombreada do sistema ILPF foi mais bioeficiente e atingiu o mesmo peso com menos forragem”, destaca.

São dois os possíveis fatores que podem ter influenciado esse resultado de maior engorda com menos capim – e a distinção entre eles será alvo de novas pesquisas na Embrapa. Um motivo é que as árvores do sistema ILPF, assim como o uso da área de pastagem em revezamento com o plantio de grãos, geram um aumento de matéria orgânica no solo e, consequentemente, um capim com maior teor de proteína. O outro fator é a redução do estresse de curta e longa duração gerada especificamente pelo sombreamento, que vem sendo quantificado nessa linha de pesquisa.

Dados do estudo

O estudo também deve resultar em nova publicação científica, ainda em fase de elaboração, referente aos efeitos do sombreamento sobre a capacidade reprodutiva dos touros. Para isso, os pesquisadores estão analisando os dados da ecotextura testicular dos animais a partir de ultrassonografia e da qualidade do sêmen. “Sob a sombra, os bois mantêm o tecido testicular íntegro e sua capacidade de produzir espermatozoides permanece intacta. Indivíduos sob estresse térmico intenso e contínuo produzem menos sêmen e de menor qualidade, afetando negativamente sua fertilidade”, afirma Garcia.

No Brasil, a criação a pasto também é predominante no gado leiteiro. Mais de 70% da produção de leite é realizada por vacas mestiças. Essas são resultados do cruzamento de animais de origem zebuína e europeia, como a girolando, mestiço de gir e vaca holandesa. Dessa forma, a médica-veterinária Isabel Cristina Ferreira, da Embrapa Cerrados, no Distrito Federal, investigou o impacto do conforto térmico proporcionado pelo sistema ILPF na produtividade dos animais das raças gir e girolando.

Assim, o experimento, iniciado em janeiro de 2017, durou 33 meses. Ele foi realizado no Centro de Tecnologia para Raças Zebuínas Leiteiras da Embrapa, no Recanto das Emas (DF). Nesse período, foi avaliado o desempenho de 141 vacas. Dessa forma, uma parte criada em pasto ao Sol e outra em sistema ILPF com 260 árvores por hectare. Assim, proporcionou uma redução de 44% da insolação. Medidas da temperatura retal, publicadas na revista Animals, em 2021, indicam que o excesso de calor leva as vacas a um estado de estresse térmico. A presença de sombra arbórea, por sua vez, propicia bem-estar animal.

Embrapa Cerrados

Os pesquisadores da Embrapa também constataram um ganho de produtividade gerado pela melhora das condições climáticas do ambiente. As vacas gir em área sombreada apresentaram uma produção de leite 24% maior. Durante a lactação, de 305 dias, o incremento médio foi de 2,4 kg diários de leite por vaca. Assim, isso representou 732 kg de leite a mais no período. As vacas girolando, sob a sombra, também produziram mais leite, mas em quantidade pouco significativa.

“O ILPF é uma alternativa econômica que proporciona conforto térmico ao gado leiteiro”, afirma a veterinária. Outra opção, diz Ferreira, são a criação dos animais em estábulos. O que demanda investimentos na estrutura física e maior gasto com a mão de obra para o manejo. Além de uso intenso de energia elétrica para ventilação e umidificação do ambiente. Ou ainda a instalação de barracas de telas sobre o pasto, as chamadas sombrites, que não resistem a ventos e chuvas fortes.

O estudo realizado na Embrapa Cerrados também comprovou que o conforto térmico amplia a capacidade reprodutiva das vacas leiteiras. Assim, promovem uma produção quatro vezes maior de embriões entre os animais que pastam na sombra.

Rebanho e pecuarista

O pecuarista Jônadan Hsuan Min Ma, dono da Fazenda Boa Fé, de 970 hectares, em Conquista, Minas Gerais, adota o sistema ILPF em 38 hectares de sua propriedade, o equivalente a 4% do total. Seu rebanho leiteiro é formado por 330 vacas, sendo 95% da raça girolando – as demais são gir e holandesa. A estratégia ILPF, diz o criador, foi adotada com o objetivo de melhorar a performance reprodutiva de novilhas girolando pelo sistema de fertilização in vitro.

Assim, segundo Ma, sob o conforto da som-bra de eucaliptos, as novilhas doadoras de embriões aumentaram entre 25% e 30% a produção de ovócitos (gametas femininos) qualificados para a fertilização in vitro. “Passaram a produzir de oito a 15 ovócitos em cada ovulação, quantidade suficiente para fertilizar com sucesso entre três e cinco embriões”, conta.

Dessa forma, depois que as vacas passaram a ser criadas em áreas sombreadas, informa o pecuarista, a taxa de concepção no rebanho, ou seja, o número de novilhas que efetivamente ficaram prenhas quando inseminadas, atingiu um patamar de 63% a 65%. Anteriormente, quando os animais eram criados em pastos desprovidos de árvores e sombreamento, a taxa situava-se entre 40% e 50%.

Ilustração
Diagrama de um sistema ILPF. O modelo consorciado melhora o bem-estar animal do rebanho em razão do conforto térmico. Além disso, torna a atividade agropecuária mais sustentável. — Foto: Alexandre Affonso/Revista Pesquisa FAPESP

Estratégia inteligente

A zootecnista Claudia Cristina Paro de Paz, pesquisadora e diretora-técnica do Centro de Programação de Pesquisa do Instituto de Zootecnia, ligado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, avalia que o sistema ILPF é uma abordagem inteligente de combate ao estresse térmico do gado, que alia sustentabilidade produtiva e maior rentabilidade ao produtor rural. “Além da renda gerada pela pecuária, há ainda ganhos com a venda da produção agrícola e da madeira”, diz Paz, que não participou da pesquisa da Embrapa, mas tem estudos na área.

Assim, com o apoio da FAPESP, ela investigou o impacto da insolação tropical sobre as raças zebuínas, nativas de áreas quentes, e as taurinas, originárias de regiões de climas temperados e frios. A pesquisa trabalhou com nelore, bovinos de origem indiana presentes no Brasil desde o século XIX. Além disso, analisou os taurinos caracu, que desembarcaram no país no início da colonização portuguesa. Esses últimos são tidos como de origem europeia e mais adaptados ao clima brasileiro.

Resultados

A investigação concluiu que o estresse térmico afeta as duas raças, mas com maior intensidade os animais de origem europeia. Isso mesmo depois de centenas de anos de exposição ao clima tropical. Análises de sangue, medições de temperatura retal e dados colhidos a partir de termografia infravermelho detectaram que, sob altas temperaturas, a concentração de cortisol, hormônio que tem a função de regular o organismo e é comumente empregado como indicador de resposta ao estresse, era maior na circulação sanguínea dos novilhos caracu em comparação com os animais nelore.

A expressão de proteínas de choque térmico (HSP), que desempenham papel central no processo de homeostase, também foi maior entre os animais caracu. O estudo gerou três artigos publicados nos periódicos científicos Livestock Science, em 2019 e 2022, e Tropical Animal Health and Production, em 2020.

“Mesmo que esse estudo não tenha avaliado outras raças taurinas que só recentemente vêm ganhando expressão no Brasil, como a angus, é possível pressupor que o impacto do estresse térmico é ainda maior entre elas”, afirma Paz.

Alimentos, gado e floresta no mesmo espaço

Cerca de 10% da pastagem brasileira adota a estratégia de produção consorciada

Criada pela Embrapa nos anos 1990, o sistema de integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é uma estratégia que visa promover a biodiversidade nas fazendas de gado e aumentar sua produtividade. Essa abordagem preconiza a rotação entre atividades agrícolas e pecuárias em uma área também usada para o plantio de árvores. Lavoura e pastos bem manejados, mostram estudos científicos, proporcionam um importante benefício secundário: a captura de carbono da atmosfera, compensando as emissões do gado. O rebanho bovino é um grande gerador de metano (CH4), um dos gases de efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global (ver Pesquisa FAPESP nº 314).

Além da melhoria do bem-estar do rebanho em razão do conforto térmico, os sistemas ILPF têm potencial para intensificar a ciclagem de nutrientes no solo. Além disso, auxilia na manutenção da biodiversidade e na sustentabilidade da atividade agropecuária. Também contribuem para a diversificação da produção. Assim, pode ajudar a reduzir a pressão pela abertura de novas áreas com vegetação nativa para cultivo de alimentos ou criação de animais. De acordo com a Embrapa, sistemas ILPF estão implementados em cerca de 17,4 milhões de hectares do país. Isso equivale a 10% da área de pastagem nacional.

Fonte: Domingos Zaparolli, da Pesquisa Fapesp

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