Até pouco tempo atrás, as algas marinhas eram mais lembradas como ingrediente tradicional da culinária asiática. Nos últimos anos, no entanto, elas ganharam status de valiosa commodity para enfrentar desafios como a crise climática, a escassez de alimentos e a necessidade de substituir matérias-primas poluentes por outras de menor impacto ambiental.
Estima-se que as espécies selvagens existentes nos oceanos capturem, por meio da fotossíntese, cerca de 173 milhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, segundo um artigo publicado pela Nature Geoscience. O índice se aproxima do potencial brasileiro de descarbonização calculado pela CCS Brasil, que chega a 200 milhões de toneladas de CO2. Embora ainda faltem dados sobre a real capacidade de expansão desse pulmão marítimo, preservar as florestas de algas marinhas, restaurá-las e ampliá-las de maneira sustentável são ações consideradas essenciais no combate ao aquecimento global.
De olho na necessidade de países e empresas atingirem suas metas climáticas, startups, principalmente dos Estados Unidos e da Europa, vêm, de fato, apostando na atividade escrutinada no report da ONU para comercializar créditos de carbono. Diferentemente da agricultura, que necessita de terras férteis, irrigação e adubo, o processo pode acontecer no mar ou em tanques ao ar livre com exposição solar.
Algas marinhas no deserto
Há dez anos, o economista irlandês Adam Taylor inaugurou o método tido como o mais inovador no segmento. Já com experiência em aquacultura na África (sua empresa FirstWave Group responde pela segunda produção mundial de tilápia), em 2013 ele fundou a climate tech Brilliant Planet, que arrendou uma área de 6,1 mil hectares no deserto do Saara, na região costeira do Marrocos, para instalar uma fazenda de algas marinhas. Nela, microalgas de coloração verde brotam não no oceano, mas em piscinas de 12 mil m2 em pleno deserto, abastecidas com água bombeada do mar. Conforme crescem, os organismos rapidamente sugam carbono e o convertem em biomassa. Depois de seco, esse material é enterrado no deserto para evitar que o carbono estocado retorne à atmosfera.
Segundo Taylor, uma das principais vantagens desse modelo reside na possibilidade de escalar a produção de baixo custo, implantada em áreas inóspitas, subutilizadas e inúteis para agricultura. “Não custa muito arrendar terras no deserto, e os governos locais ficam entusiasmados em ter uma atividade econômica na região”, afirmou o executivo à CNN. A empresa calcula que o sistema remova, anualmente, 30 vezes mais carbono da atmosfera por hectare do que uma floresta, e anunciou em julho de 2023 a primeira venda em larga escala de remoção de carbono. O acordo, assinado com a companhia de serviços financeiros Block, prevê a captura e o armazenamento de 1,5 mil toneladas de CO2 até 2027.
Rebanhos descarbonizados
Entre as aplicações mais potentes, Brett destaca a inclusão na alimentação bovina. Estudos apontam que apenas uma pitada de algas vermelhas na ração dos bichos reduz mais de 90% do metano emitido por eles. Isso graças ao bromofórmio, substância que inibe a formação do CH4 no processo digestivo dos ruminantes. O poderoso gás de efeito estufa, liberado principalmente por meio dos arrotos dos animais, ocasiona cerca de 30% do aquecimento global.
O australiano David Messina, executivo no setor de agricultura e biotecnologia nascido e criado numa fazenda no oeste de seu país, viu no suplemento para gado uma oportunidade de negócio com o crescente interesse da indústria de carne e laticínios em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Foi assim que, em 2021, ele estruturou a Rumin8, uma das mais conhecidas companhias do segmento.
A startup desenvolve um suplemento alimentar a partir da alga vermelha Asparagopsis. Por causa da complexidade e dos altos custos do cultivo em larga escala em ambiente natural, a Rumin8 decidiu replicar seu princípio ativo em laboratório. Os resultados prometem: “Números indicam a eliminação de até 95% das emissões de metano do gado”, informa Messina, detentor de um aporte recente de US$ 12 milhões liderado pela Breakthrough Energy Ventures (fundo de investimento de risco para o combate às mudanças climáticas criado por Bill Gates) justamente para conduzir os testes comerciais.
“Já iniciamos experimentos em campo em diversos países, inclusive no Brasil”, acrescenta ele, que persegue a meta de alcançar 100 milhões de bovinos até 2030. Em solo nacional, a testagem da firma australiana acontece por meio de um acordo com a Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Não para por aí
Outro player de peso é a química e ativista ambiental Alexia Akbay, que em 2019 fundou no Havaí a biotech Symbrosia. Produtora de um insumo semelhante ao da Rumin8, ela recebeu, em 2022, US$ 7 milhões encabeçados pela Danone Manifesto Ventures, braço de capital de risco da gigante francesa de alimentos e bebidas.
Segundo a executiva, “o suporte da Danone e de outros apoiadores vai multiplicar nossa produção por mil, aumentar nosso time com contratações estratégicas e contribuir para que produtores rurais montem uma cadeia mais sustentável. A hora de agir a respeito do gás metano é agora”. Jean Prevot, vice-presidente de Operações e Sustentabilidade da Danone Manifesto Ventures, ressalta que a medida integra a política de descarbonização da corporação, que ambiciona uma cadeia de carbono neutra até 2050.
Alimentação e embalagens plant-based
As algas não apenas ajudam a reduzir as emissões bovinas de metano como podem se tornar uma alternativa à carne consumida globalmente. Isso porque o alto teor de proteína as torna uma boa opção para veganos e vegetarianos. Dois tipos fazem sucesso como suplementos alimentares: a microalga Chrorella e a cianobactéria Arthrospira, cuja biomassa é a spirulina, popularmente conhecida como alga azul.
Atentos a esse nicho, os irmãos Yonatan, Matan e Ido Golan criaram a foodtech israelense Brevel em 2017. Sediada em Tel-Aviv, a startup desenvolveu um pó de microalgas vendido à indústria alimentícia para confecção de hambúrgueres, queijos e leites vegetais. Em julho, a empresa levantou US$ 18,5 milhões de capital semente para escalar sua atuação.
Outra aplicação inesperada se dá em embalagens, à medida que aumentam as restrições para plásticos de uso único, especialmente na Europa. No Reino Unido, Rodrigo Garcia Gonzalez e Pierre Paslier, que se conheceram quando cursavam engenharia de design de inovação no Imperial College de Londres, idealizaram envoltórios para comidas e bebidas feitos com o material biodegradável. Assim nasceu, em 2014, Notpla (abreviação de not plastic), fabricante do popular sachê de algas Ooho.
Substituto comestível de garrafinhas de água, ele tem gosto neutro e faz sucesso para hidratação em maratonas e festivais de música. Se jogada fora em vez de consumida após o usuário beber o conteúdo, a bolha transparente de alga demora só seis semanas para se decompor. A empresa, que também emprega algas e extratos de plantas em caixas para delivery de comida e um filme biodegradável, arrebatou 1 milhão de libras do The Earthshot Prize, prêmio criado pelo príncipe William para soluções inovadoras na área ambiental.
Produção nacional de algas marinhas
No Brasil, a Embrapa Agroenergia atua lado a lado com empresas interessadas em usar espécies locais. De uma parceria com a fabricante de fertilizantes Dimiagro, apoiada pelo Sebrae e pela Embrapii, surgiu, por exemplo, um bioinsumo com extratos de uma microalga verde-azulada brasileira que estimula o crescimento de plantas. Testada e aprovada em cultivos de soja e milho, a novidade deve ser lançada em 2025.
Segundo César Miranda, pesquisador da Embrapa e líder do projeto, itens como este normalmente lançam mão de macroalgas (espécies de grande porte) importadas e coletadas na natureza. “Nós usamos microalgas da biodiversidade brasileira. Qual é a vantagem disso? Além de a matéria-prima local baratear o custo, as microalgas são facilmente manejadas em laboratório. Com isso, evitamos um sistema extrativista que mexe com o ecossistema marinho, e conseguimos um controle maior de qualidade”, explica o cientista.
Gigantes Nacionais
Outro parceiro da Embrapa, o Grupo Boticário investiga um corante à base de um extrato de microalga nacional. “Nosso time trabalha no desenvolvimento dessa matéria-prima proprietária a ser utilizada em cosméticos”, adianta Gustavo Dieamant, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da organização, que não revela o nome da espécie utilizada. Segundo o executivo, a busca por ingredientes sem impacto negativo no meio ambiente responde à demanda dos consumidores, cada vez mais atentos aos atributos sustentáveis daquilo que compram.
Em Florianópolis, as pesquisas sobre macroalgas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri) levaram a empreendedora Tatiana da Gama Cunha a apostar na Kappaphycus alvarezii, cultivada por ela na Algama Fazenda Marinha. “Estudei sobre a produção no exterior, comprei e testei materiais, sondei o interesse de mercado, pedi autorização da vigilância sanitária e, no final de 2021, comecei a operação”, conta Tatiana, que também preside a Associação de Maricultores do Sul da Ilha.
Ela comercializa as algas para servirem de biofertilizante, mas seu foco principal é o processamento delas em diversos formatos para consumo humano: já desidratadas (naturalmente salgadas, sem sal e trituradas), em gel nutritivo (para comer in natura ou misturado com outros alimentos) ou em receitas como “maionalga” (maionese de algas), chocolate, geleia, patê e até caviar vegano. A fim de apresentar esses produtos e divulgar seus benefícios para a saúde, Tatiana promove oficinas, participa de feiras e dialoga com restaurantes.
Crescimento sustentável
Apesar do entusiasmo de startups e investidores em torno do potencial das algas, especialistas alertam para os cuidados necessários na expansão dessa indústria. “Devemos agir com otimismo cauteloso. Os possíveis benefícios do cultivo devem ser colocados na balança junto com os riscos da interferência humana no ambiente marinho e nas comunidades que dependem de um ecossistema saudável dos oceanos”, pontua Leticia Carvalho, chefe da divisão Marinha e de Água Doce do Programa do Meio Ambiente da ONU.
Ela defende a criação de uma força-tarefa para aprofundar os estudos sobre o impacto de uma escalada global no cultivo de algas marinhas, que disputam por luz e nutrientes com outros seres dos oceanos e cujos detritos podem afetar os ecossistemas no fundo do mar. “Ao juntar atores locais, regionais, nacionais e internacionais tanto do setor público como do setor privado, podemos explorar de forma mais segura as possibilidades, ao mesmo tempo em que adotamos as salvaguardas e as melhores práticas para garantir um crescimento sustentável”, resume.
Tipos de algas marinhas e suas aplicações
– Ascophyllum nodosum: Alga marrom cujas fibras são usadas para tecidos
– Asparagopsis: Espécie de alga vermelha, está sendo testada em suplemento de ração animal para reduzir o gás metano emitido pelo gado
– Chlorella: Alga verde em teste para produção de biocombustível
– Gelidium, Gelidiella e Gracilaria: Servem para produzir a gelatina ágar-ágar, usada nas indústrias alimentícia, farmacêutica e de cosméticos
– Kappaphycus alvarezii: Matéria-prima da carragenana, usada em espessantes, gelificantes e estabilizantes de alimentos
– Lithothamnium: Macroalga utilizada em fertilizantes para agricultura
– Porphyra e Undaria: Conhecidas pelos nomes japoneses nori e wakame, são muito utilizadas na culinária asiática
– Saccharina latissima: Alga marrom conhecida como kelp, tem crescimento rápido e é cultivada em fazendas marinhas para captura de carbono
– Spirulina: Microalga rica em proteína, é apontada como uma alternativa à carne e à soja
Fonte: Por Lia Hama/ Só Planeta
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