Cidades sufocadas pelas queimadas e pela fumaça. Rios expostos e animais morrendo pela falta de água. O setor hidrelétrico em alerta devido à baixa nos reservatórios. O ar tão seco que é difícil respirar. Esse é o cenário causado pelo pior período seco já enfrentado por mais da metade do país nos últimos 40 anos, segundo levantamento exclusivo do Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (Cemaden) feito a pedido do g1.
Das 27 unidades da federação, 16 estados e o Distrito Federal enfrentam a pior estiagem já vista no período de maio a agosto, desde os anos 1980. Na lista estão:
- Amazonas
- Acre
- Rondônia
- Mato Grosso
- Pará
- Mato Grosso do Sul
- Goiás
- Minas Gerais
- São Paulo
- Paraná
- Rio de Janeiro
- Espírito Santo
- Bahia
- Piauí
- Maranhão
- Tocantins
O Cemaden é ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) e é responsável pelo fornecimento de dados ao governo federal sobre o cenário. Ana Paula Cunha, especialista no monitoramento de secas do órgão, explica que, além de extensa pelo país, é a primeira vez em anos de monitoramento que se observa uma seca tão longa.
“A gente nunca tinha visto de forma tão expandida pelo país, fora dos estados do semiárido, uma seca tão longa. Já são 12 meses de duração. Isso é um cenário muito preocupante.”
— Ana Paula Cunha, especialista em secas e pesquisadora do Cemaden.
Cronologia da seca
- Os primeiros registros foram feitos em junho de 2023, com a chegada do El Niño, que mudou os ciclos de chuva pelo país.
- Ali, a expectativa era de que o período chuvoso em outubro de 2023 pudesse amenizar o impacto, mas não foi isso que aconteceu. Com muitos bloqueios atmosféricos, que impediram que as frentes frias avançassem, o índice ficou abaixo da média em quase todo o país, com exceção do Rio Grande do Sul. A região Norte viveu a pior seca já vista até então.
- No início de 2024, os especialistas estavam esperançosos por uma trégua, mas isso não aconteceu. O El Niño se encerrou, mas o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, reflexo do aquecimento global, fez com que o padrão de chuvas continuasse alterado e, com isso, ela seguiu abaixo da média.
- Enquanto tudo isso acontecia, o país bateu recorde de temperaturas máximas. Isso tornou tudo ainda mais seco porque faz aumentar a evapotranspiração, que é o movimento das águas dos rios evaporarem. Em geral, elas se transformam em umidade e, depois, voltam ao rio com chuva. Mas isso não estava acontecendo.
Estados em chamas
Agora, o Brasil completa 12 meses sob o efeito de seca na maior parte do mapa. O ranking do Cemaden aponta que, em vários trechos, 16 estados registraram o pior índice no período em 44 anos, mas a estiagem se prolonga por quase todas as unidades da federação, com exceção do Rio Grande do Sul, porém com intensidade menor.
Hoje, mais de 3,8 mil cidades estão com alguma classificação de seca (de fraca a excepcional). O índice de seca é calculado com base no índice de chuva, variando conforme a proximidade ou distância da média e período.
Para se ter uma noção, o número de cidades nessa situação aumentou quase 60% entre julho e agosto e, segundo o Cemaden, os números de agosto ainda são uma prévia e até o fim do mês o cenário pode piorar.
No Sudeste, por exemplo, das 1668 cidades, 1666 estão em situação de seca.
“Quanto mais tempo esse cenário durar, mais impactos ele causa, mas mais que isso, é mais difícil ainda de recuperar. A situação é tão grave que é preciso ciclos de chuva acima da média para ajudar a amenizar e isso não vai acontecer no próximo ciclo. Não vai ser o suficiente.”
— Ana Paula Cunha, especialista em secas e pesquisadora do Cemaden.
E no que isso impacta?
- Menos água e energia mais cara
A falta de chuva com o aumento da temperatura vem afetando os rios pelo Brasil. A maior parte das bacias está sob classificação de seca, segundo o Cemaden, que também faz o monitoramento de rios pelo país.
A hidróloga e pesquisadora do órgão, Adriana Cuertas, explica que a estiagem prolongada não só está fazendo a água desaparecer mais rápido que antes, principalmente na região Norte, mas dificultando a recuperação e sobrevivência dos rios.
“Esses ciclos de seca são preocupantes para as bacias. O rio sobrevive com a água do lençol freático, que passa abaixo dele. Se não tem chuva, esse lençol não é alimentado e com tanto tempo sem repor água, isso dificulta a recuperação. Já estamos vendo rios menores, de cabeceiras, desaparecerem com o tempo em alguns pontos.”
— Adriana Cuertas, hidróloga e pesquisadora do Cemaden.
A descida dos rios já vem mostrando impactos. No Norte, há dezenas de cidades em alerta, com as autoridades pedindo que estoquem alimentos. A navegação em algumas áreas, principal meio de transporte, já é difícil.
Isso não afeta só as comunidades locais, mas também a economia nacional com o escoamento de produtos da zona franca de Manaus, por exemplo. Em 2023, as empresas anunciaram gastos de R$1,4 bilhão pela falta de água, o que impactou o preço dos produtos que são distribuídos pelo país.
Consequências para os estados
Além disso, a geração de energia. Na semana passada, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) disse que com a baixa nos rios do Norte teria que diminuir o uso das usinas hidrelétricas. O nosso sistema é interligado e a região é importante para a geração de energia nacional. Com isso, o órgão anunciou que vai acionar termelétricas para o reforço.
E não só isso: as bacias do Sudeste que alimentam o sistema hidrelétrico também estão em situação extrema, aponta o levantamento do Cemaden.
O governo diz que há energia suficiente de várias fontes para abastecer e não há risco de apagão, mas os especialistas em energia alertam que isso pode acabar encarecendo a energia em todo o país.
Queimadas pelo país
A seca deixa a vegetação ressecada e mais vulnerável ao fogo, que vem sendo vítima da ação humana. Com isso, um pequeno foco de incêndio pode se alastrar por quilômetros.
Este ano, com a seca, a temporada de queimadas começou antes do previsto e mais grave do que antes, o que preocupa especialistas. Geralmente, o fogo começa em setembro, que é também o pico do período seco.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de focos de incêndio registrados no país é o pior em 14 anos.
— Luiz Aragão, pesquisador do Inpe e que atua no monitoramento de queimadas.
“Nós nunca vimos esses índices de incêndio no país dessa forma, principalmente nessa época do ano. Isso acontece pela seca, mas se soma ao fator humano. Sabendo que estamos mais vulneráveis, é preciso impedir o fogo, proibir seu uso para manejo da terra com o país tão vulnerável.”
Pantanal
Até julho, o Pantanal bateu a marca de 800 mil hectares queimados pelo fogo neste ano, o que é um recorde segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
A Amazônia Legal registrou até julho o maior número de focos de fogo em 19 anos. Na última semana, a fumaça da queimada na região chegou ao Sul do Brasil e se espalhou por mais de dez estados.
No fim de semana, quase cidades em São Paulo estavam em alerta por causa das queimadas. A onda de incêndios destruiu mais de 20 mil hectares e obrigou mais de 800 pessoas a saírem de casa, segundo o governo estadual.
Enquanto isso, o Cerrado também está em chamas. Nesta segunda-feira (26), por exemplo, havia fogos ativos no bioma nos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Tocantins. Dessa forma, segundo o levantamento do Inpe, o mês de agosto até agora já é pior que o do ano passado, passando de 3,9 mil focos de fogo para 5,5 mil.
Fonte: Poliana Casemiro / G1
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