Abelhas no café podem gerar R$ 22 bi anuais ao arábica no Brasil, entenda

A polinização manejada na cafeicultura com abelhas, usando milhões de colmeias, impulsiona produtividade e sustentabilidade no Brasil.

Foto: PixaBay -

Um estudo realizado por cientistas da Embrapa Meio Ambiente (SP) e da Syngenta Proteção de Cultivos no Brasil avaliou o impacto da introdução de colônias de abelhas manejadas em fazendas de café convencionais. A pesquisa focou no rendimento, na qualidade e no valor de mercado do café arábica. Os resultados mostraram que a polinização assistida aumentou tanto a produtividade quanto a qualidade do café, podendo elevar a receita anual do arábica em até R$ 22 bilhões. Com a presença das abelhas, a produtividade subiu 16,5%, de 32,5 para 37,9 sacas por hectare.

A qualidade do café, medida pela nota sensorial da bebida, teve um aumento de 2,4 pontos, o que elevou a classificação de grãos regulares para especiais em algumas fazendas. Essa melhoria na qualidade também aumentou o valor da saca em 13,15%, representando um ganho adicional de US$ 25,40 por saca. A pesquisa destaca, assim, que a polinização assistida pode trazer grandes benefícios econômicos para a cafeicultura, tornando o manejo de abelhas uma estratégia eficaz para aumentar a rentabilidade dos produtores de café.

Os cientistas também monitoraram a saúde das colônias de abelhas nativas sem ferrão expostas ao tiametoxam, um dos inseticidas sistêmicos mais comuns no controle de pragas. A pesquisa contou com a colaboração da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), AgroBee, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Natural England e Eurofins.

O estudo, realizado entre 2021 e 2023 em fazendas de São Paulo e Minas Gerais – regiões líderes na produção de café arábica no Brasil – investigou o impacto da introdução de colmeias de abelhas africanizadas (Apis mellifera) na produção, comparando com áreas onde apenas os polinizadores silvestres atuavam.

Foto: PixaBay

Manejo de abelhas aumenta os lucros

Ao contrário de estudos anteriores, voltados somente aos polinizadores silvestres, este experimento controlou a quantidade de abelhas manejadas nas plantações, permitindo uma comparação direta entre áreas com e sem polinização assistida. As colmeias foram instaladas em uma extremidade de cada talhão, enquanto a outra dependia da polinização natural. O objetivo era avaliar se, nas condições da cafeicultura brasileira, a presença de polinizadores extras poderia gerar ganhos reais em produtividade e qualidade.

As abelhas africanizadas tiveram um papel essencial na melhora dos resultados. Sua presença aumentou a quantidade de grãos por hectare e melhorou a qualidade do café produzido. O ganho na nota sensorial, que avalia aspectos como sabor e aroma, permitiu que parte da produção atingisse a categoria de café especial, um segmento de mercado com valor agregado consideravelmente mais alto.

Para Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa e um dos líderes do estudo, esses resultados mostram o potencial da integração entre o manejo de polinizadores e a cafeicultura de larga escala. “O uso de abelhas manejadas demonstra uma clara oportunidade de ganho econômico, ao mesmo tempo em que contribui para uma agricultura mais sustentável e eficiente”, afirmou.

Impacto: como a polinização assistida pode revolucionar a cafeicultura

De acordo com os dados do estudo, os pesquisadores estimaram que, se todos os produtores brasileiros adotassem a polinização assistida, o setor cafeeiro passaria por uma grande transformação. Com base nos resultados e nas estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para 2024, a presença das abelhas poderia elevar a produtividade em 16,5%, acrescentando 6,5 milhões de sacas e levando a produção total para 46,1 milhões de sacas.

O impacto no valor de mercado também seria expressivo: a saca de café passaria a valer R$ 2.014,90, com um aumento de 13,15%. No total, o mercado cafeeiro brasileiro cresceria dos atuais R$ 70,490 bilhões para R$ 92,919 bilhões, gerando um impacto econômico adicional de R$ 22,429 bilhões.

Esses dados indicam que a polinização assistida é uma estratégia não só viável, mas essencial para aumentar a produtividade e qualidade do café. Além disso, ela contribui para a preservação dos polinizadores, que são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas e a segurança alimentar global.

Sustentabilidade e inovação na cafeicultura

A ampla adoção da polinização manejada traria grandes oportunidades para o setor apícola. Seriam necessárias aproximadamente 6 milhões de colmeias de abelhas africanizadas para cobrir toda a área de café arábica no Brasil, usando a densidade do estudo de quatro colmeias por hectare. Para abelhas nativas, o número seria ainda maior – cerca de 15 milhões de colmeias. Essa demanda impulsionaria a apicultura nacional, criando uma relação de benefício mútuo entre a produção agrícola e a criação de abelhas, gerando ganhos econômicos e ambientais.

Guilherme Sousa, fundador e CEO da AgroBee, uma startup que conecta criadores de abelhas a produtores rurais, compara a empresa ao “Uber das abelhas”. Ele ressalta que “a polinização assistida em culturas como o café representa um dos maiores potenciais de produtividade sustentável na agricultura brasileira”. Essa prática não só eleva a produção, mas também auxilia na preservação da biodiversidade, mostrando como a inovação agrícola pode fortalecer a sustentabilidade.

Jenifer Ramos, pós-doutoranda na Embrapa e coautora do estudo, afirma que os dados oferecem uma base sólida para políticas agrícolas que unam sustentabilidade e produtividade. “O potencial dos polinizadores vai além da agricultura, afetando o meio ambiente e a sociedade. Essa prática melhora o agroecossistema e traz benefícios econômicos que se estendem a toda a cadeia produtiva”, afirma.

Ela destaca o caráter inovador do estudo, que pela primeira vez quantificou o impacto direto das abelhas manejadas na produção de café arábica em condições reais de campo.

Polinização com abelhas e controle de pragas, uma convivência possível

Foto: Milena Florim

O estudo também investigou como o uso de defensivos agrícolas afeta a saúde das colmeias. Os pesquisadores focaram no tiametoxam, um inseticida sistêmico amplamente utilizado no cultivo de café. Seis propriedades que utilizam o defensivo de forma convencional e duas fazendas orgânicas participaram da análise. Três parâmetros de saúde das abelhas foram monitorados: produção de cria, mortalidade de larvas e atividade de forrageamento. As avaliações foram realizadas em cinco momentos: antes da floração; logo após; e 45, 75 e 105 dias depois.

Apesar dos resíduos de pesticida no pólen e néctar das abelhas, as taxas de aplicação de tiametoxam por irrigação não afetaram a saúde das colônias. Esses resultados mostram a viabilidade de coordenar a polinização assistida com o controle de pragas, desde que o uso de defensivos siga as orientações técnicas.

Importância do equilíbrio

Menezes ressalta que integrar o manejo de abelhas com defensivos agrícolas controlados é essencial para reduzir riscos a organismos não-alvo. Ele destaca que, apesar da discussão científica, a aplicação dessas práticas em campo ainda é rara. Assim, dificulta decisões dos agricultores e políticas públicas para proteger polinizadores. “Esse estudo interdisciplinar busca preencher tal lacuna, avaliando o impacto do manejo de abelhas na produtividade do café, crucial para milhões de famílias rurais”, frisa.

O pesquisador também ressalta a importância de equilibrar o controle de pragas com a preservação dos polinizadores. “O produtor pode ter a melhor polinização possível, mas se pragas como a broca-do-café, a ferrugem ou o bicho-mineiro não forem controladas, o esforço será em vão”, alertou. Segundo ele, a chave está no uso criterioso de defensivos, que deve garantir, assim, a proteção da lavoura sem comprometer a saúde dos polinizadores.

Benefícios da polinização assistida na visão do produtor

Gustavo José Facanali, engenheiro-agrônomo e produtor rural à frente da Facanali Cafés, relata sua experiência positiva com a polinização assistida por abelhas. Ele cultiva 120 hectares em São Paulo e no sul de Minas. Ele conta que inicialmente duvidava da eficácia da técnica, uma vez que a flor do café se autofecunda em mais de 80%.

Contudo, ao participar de um experimento, os resultados o surpreenderam. “Nas áreas onde as abelhas foram introduzidas, a produtividade aumentou 17%, de 110 para 128 sacas por hectare. Com o preço atual do café, isso representa um ganho de R$ 27 mil por hectare”, explicou, então, Facanali.

Na propriedade, foram utilizadas abelhas-sem-ferrão da espécie Mandaguari, introduzidas sete dias antes da floração e mantidas na lavoura por 21 dias. “Durante esse período, não fizemos intervenções na área, o que facilitou o manejo”, conta.

Abelha em flor
Apicultura brasileira produziu 804,3 mil toneladas e exportou 28,5 mil toneladas de mel em 2022 – Foto: PixaBay

Além do aumento na quantidade, houve melhorias na qualidade do café, com a pontuação subindo de 78-80 até 82 pontos. “Isso demonstra que a polinização assistida não só aumenta a produção, mas também melhora a qualidade dos grãos.”

Facanali também destaca a importância da tecnologia frente às mudanças climáticas. “Estamos vivendo um clima instável, que tem gerado perdas na produtividade. A polinização assistida pode ser um contraponto a esses desafios, ajudando a manter a rentabilidade com sustentabilidade”, argumentou.

Convicto de que a prática pode ser aplicada em outras culturas, ele conclui: “A polinização assistida é um caminho sem volta, mostrando que a colaboração entre agricultura e natureza gera resultados significativos. É uma solução sustentável que pode beneficiar toda a cafeicultura e outras áreas agrícolas.”

*Com informações da Agência Embrapa

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