Um estudo realizado por cientistas da Embrapa Meio Ambiente (SP) e da Syngenta Proteção de Cultivos no Brasil avaliou o impacto da introdução de colônias de abelhas manejadas em fazendas de café convencionais. A pesquisa focou no rendimento, na qualidade e no valor de mercado do café arábica. Os resultados mostraram que a polinização assistida aumentou tanto a produtividade quanto a qualidade do café, podendo elevar a receita anual do arábica em até R$ 22 bilhões. Com a presença das abelhas, a produtividade subiu 16,5%, de 32,5 para 37,9 sacas por hectare.
A qualidade do café, medida pela nota sensorial da bebida, teve um aumento de 2,4 pontos, o que elevou a classificação de grãos regulares para especiais em algumas fazendas. Essa melhoria na qualidade também aumentou o valor da saca em 13,15%, representando um ganho adicional de US$ 25,40 por saca. A pesquisa destaca, assim, que a polinização assistida pode trazer grandes benefícios econômicos para a cafeicultura, tornando o manejo de abelhas uma estratégia eficaz para aumentar a rentabilidade dos produtores de café.
Os cientistas também monitoraram a saúde das colônias de abelhas nativas sem ferrão expostas ao tiametoxam, um dos inseticidas sistêmicos mais comuns no controle de pragas. A pesquisa contou com a colaboração da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), AgroBee, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Natural England e Eurofins.
O estudo, realizado entre 2021 e 2023 em fazendas de São Paulo e Minas Gerais – regiões líderes na produção de café arábica no Brasil – investigou o impacto da introdução de colmeias de abelhas africanizadas (Apis mellifera) na produção, comparando com áreas onde apenas os polinizadores silvestres atuavam.
Manejo de abelhas aumenta os lucros
Ao contrário de estudos anteriores, voltados somente aos polinizadores silvestres, este experimento controlou a quantidade de abelhas manejadas nas plantações, permitindo uma comparação direta entre áreas com e sem polinização assistida. As colmeias foram instaladas em uma extremidade de cada talhão, enquanto a outra dependia da polinização natural. O objetivo era avaliar se, nas condições da cafeicultura brasileira, a presença de polinizadores extras poderia gerar ganhos reais em produtividade e qualidade.
As abelhas africanizadas tiveram um papel essencial na melhora dos resultados. Sua presença aumentou a quantidade de grãos por hectare e melhorou a qualidade do café produzido. O ganho na nota sensorial, que avalia aspectos como sabor e aroma, permitiu que parte da produção atingisse a categoria de café especial, um segmento de mercado com valor agregado consideravelmente mais alto.
Para Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa e um dos líderes do estudo, esses resultados mostram o potencial da integração entre o manejo de polinizadores e a cafeicultura de larga escala. “O uso de abelhas manejadas demonstra uma clara oportunidade de ganho econômico, ao mesmo tempo em que contribui para uma agricultura mais sustentável e eficiente”, afirmou.
Impacto: como a polinização assistida pode revolucionar a cafeicultura
De acordo com os dados do estudo, os pesquisadores estimaram que, se todos os produtores brasileiros adotassem a polinização assistida, o setor cafeeiro passaria por uma grande transformação. Com base nos resultados e nas estimativas da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para 2024, a presença das abelhas poderia elevar a produtividade em 16,5%, acrescentando 6,5 milhões de sacas e levando a produção total para 46,1 milhões de sacas.
O impacto no valor de mercado também seria expressivo: a saca de café passaria a valer R$ 2.014,90, com um aumento de 13,15%. No total, o mercado cafeeiro brasileiro cresceria dos atuais R$ 70,490 bilhões para R$ 92,919 bilhões, gerando um impacto econômico adicional de R$ 22,429 bilhões.
Esses dados indicam que a polinização assistida é uma estratégia não só viável, mas essencial para aumentar a produtividade e qualidade do café. Além disso, ela contribui para a preservação dos polinizadores, que são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas e a segurança alimentar global.
Sustentabilidade e inovação na cafeicultura
A ampla adoção da polinização manejada traria grandes oportunidades para o setor apícola. Seriam necessárias aproximadamente 6 milhões de colmeias de abelhas africanizadas para cobrir toda a área de café arábica no Brasil, usando a densidade do estudo de quatro colmeias por hectare. Para abelhas nativas, o número seria ainda maior – cerca de 15 milhões de colmeias. Essa demanda impulsionaria a apicultura nacional, criando uma relação de benefício mútuo entre a produção agrícola e a criação de abelhas, gerando ganhos econômicos e ambientais.
Guilherme Sousa, fundador e CEO da AgroBee, uma startup que conecta criadores de abelhas a produtores rurais, compara a empresa ao “Uber das abelhas”. Ele ressalta que “a polinização assistida em culturas como o café representa um dos maiores potenciais de produtividade sustentável na agricultura brasileira”. Essa prática não só eleva a produção, mas também auxilia na preservação da biodiversidade, mostrando como a inovação agrícola pode fortalecer a sustentabilidade.
Jenifer Ramos, pós-doutoranda na Embrapa e coautora do estudo, afirma que os dados oferecem uma base sólida para políticas agrícolas que unam sustentabilidade e produtividade. “O potencial dos polinizadores vai além da agricultura, afetando o meio ambiente e a sociedade. Essa prática melhora o agroecossistema e traz benefícios econômicos que se estendem a toda a cadeia produtiva”, afirma.
Ela destaca o caráter inovador do estudo, que pela primeira vez quantificou o impacto direto das abelhas manejadas na produção de café arábica em condições reais de campo.
Polinização com abelhas e controle de pragas, uma convivência possível
O estudo também investigou como o uso de defensivos agrícolas afeta a saúde das colmeias. Os pesquisadores focaram no tiametoxam, um inseticida sistêmico amplamente utilizado no cultivo de café. Seis propriedades que utilizam o defensivo de forma convencional e duas fazendas orgânicas participaram da análise. Três parâmetros de saúde das abelhas foram monitorados: produção de cria, mortalidade de larvas e atividade de forrageamento. As avaliações foram realizadas em cinco momentos: antes da floração; logo após; e 45, 75 e 105 dias depois.
Apesar dos resíduos de pesticida no pólen e néctar das abelhas, as taxas de aplicação de tiametoxam por irrigação não afetaram a saúde das colônias. Esses resultados mostram a viabilidade de coordenar a polinização assistida com o controle de pragas, desde que o uso de defensivos siga as orientações técnicas.
Importância do equilíbrio
Menezes ressalta que integrar o manejo de abelhas com defensivos agrícolas controlados é essencial para reduzir riscos a organismos não-alvo. Ele destaca que, apesar da discussão científica, a aplicação dessas práticas em campo ainda é rara. Assim, dificulta decisões dos agricultores e políticas públicas para proteger polinizadores. “Esse estudo interdisciplinar busca preencher tal lacuna, avaliando o impacto do manejo de abelhas na produtividade do café, crucial para milhões de famílias rurais”, frisa.
O pesquisador também ressalta a importância de equilibrar o controle de pragas com a preservação dos polinizadores. “O produtor pode ter a melhor polinização possível, mas se pragas como a broca-do-café, a ferrugem ou o bicho-mineiro não forem controladas, o esforço será em vão”, alertou. Segundo ele, a chave está no uso criterioso de defensivos, que deve garantir, assim, a proteção da lavoura sem comprometer a saúde dos polinizadores.
Benefícios da polinização assistida na visão do produtor
Gustavo José Facanali, engenheiro-agrônomo e produtor rural à frente da Facanali Cafés, relata sua experiência positiva com a polinização assistida por abelhas. Ele cultiva 120 hectares em São Paulo e no sul de Minas. Ele conta que inicialmente duvidava da eficácia da técnica, uma vez que a flor do café se autofecunda em mais de 80%.
Contudo, ao participar de um experimento, os resultados o surpreenderam. “Nas áreas onde as abelhas foram introduzidas, a produtividade aumentou 17%, de 110 para 128 sacas por hectare. Com o preço atual do café, isso representa um ganho de R$ 27 mil por hectare”, explicou, então, Facanali.
Na propriedade, foram utilizadas abelhas-sem-ferrão da espécie Mandaguari, introduzidas sete dias antes da floração e mantidas na lavoura por 21 dias. “Durante esse período, não fizemos intervenções na área, o que facilitou o manejo”, conta.
Além do aumento na quantidade, houve melhorias na qualidade do café, com a pontuação subindo de 78-80 até 82 pontos. “Isso demonstra que a polinização assistida não só aumenta a produção, mas também melhora a qualidade dos grãos.”
Facanali também destaca a importância da tecnologia frente às mudanças climáticas. “Estamos vivendo um clima instável, que tem gerado perdas na produtividade. A polinização assistida pode ser um contraponto a esses desafios, ajudando a manter a rentabilidade com sustentabilidade”, argumentou.
Convicto de que a prática pode ser aplicada em outras culturas, ele conclui: “A polinização assistida é um caminho sem volta, mostrando que a colaboração entre agricultura e natureza gera resultados significativos. É uma solução sustentável que pode beneficiar toda a cafeicultura e outras áreas agrícolas.”
*Com informações da Agência Embrapa
Receba as principais notícias sobre sustentabilidade no seu WhatsApp! Basta clicar aqui