Estudiosos dos recifes de corais receberam sem surpresa o relatório divulgado pela administração estadunidense de oceanos (NOAA) no último dia 15. O documento faz alerta para o maior evento de branqueamento de corais em massa já registrado. Esse é o quarto fenômeno do tipo na série histórica do órgão. Foi o caso, por exemplo, de Janaina Bumbeer, bióloga e gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
“No Brasil, a gente já estava com expectativa de que isso fosse acontecer, porque as previsões do aumento da temperatura do mares – as de que poderiam bater recordes – de fato aconteceu”, diz.
Um avanço paulatino do calor oceânico, causado por fatores que vão da emissão de gases de efeito estufaao El Niño e à erupção colossal do vulcão subterrâneo Tonga-Hunga Haʻapai ano passado, claramente afeta em cheio os corais, que são animais sensíveis a esses movimentos térmicos. Como dizia o velho slogan de um outro líquido quente, ‘Uma coisa leva a outra’.
O branqueamento não necessariamente significa a morte do coral. O que acontece é que a alga cobrindo sua superfície calcária, e que ajuda a alimentar o animal através de sua fotossíntese, é expulsa em situações de stress extremo. É quando o animal perde a sua cor e, com essa relação cortada, o coral fica debilitado. É natural que ele consiga se recuperar com o passar dos anos, mas a temperatura e a acidificação da água, com a presença de poluentes e do gás carbônico, complicam esse processo.
Corais brasileiros
No Brasil, o campo no qual Janaina atua esteve efervescente desde março, após alerta de recorde na temperatura marinha do Hemisfério Sul em janeiro e fevereiro. “Todos os pesquisadores de corais estavam em campo pesquisando”, conta. Nesse cenário, lembra de ter recebido relatos e acompanhado cenas chocantes, como taxas de branqueamento de 100% em recifes nas regiões de Pernambuco e Alagoas.
“Víamos muitos desses pesquisadores saindo da água, ali do mergulho, chorando. Em anos de trabalho, a gente nunca presenciou cenas dessas”, lamenta. Segundo mapeamento do próprio NOAA, recifes em situação de alerta máximo incluem Fernando de Noronha (PE), Maracajaú (RN), Costa dos Corais (PE), Todos os Santos (BA), Trindade e Martim Vaz (PE).
Problema econômico
No ano passado, Janaina coordenou um estudo que buscou precificar a importância dos recifes de corais para a economia brasileira. Publicado em outubro, o levantamento aponta que esses ecossistemas são responsáveis por manter vivos sistemas de proteção costeira e de lazer. Assim, respondem a uma contribuição anual de R$ 167 bilhões no país.
Já colocar uma cifra no branqueamento em massa se prova um exercício mais complicado, segundo a bióloga, pois cada dimensão do problema ocorre em tempos diferentes. A capacidade do coral em absorver o impacto de ondas e tempestades sobre a costa (diminuindo enchentes e erosão, por exemplo) não se perde tão rápido, pois o ‘esqueleto’ do coral serve como uma espécie de rocha e demora para se desfazer.
Mas o coral saudável também serve como berçário ou morada para cerca de 1/4 de todas espécies marinhas. Seu adoecer, portanto, é um problema de natureza diversa. “A gente vai ver um impacto rápido no sentido de pesca”, comenta Janaina.
Futuro
De acordo com a especialista, no geral a sobrevivência desses recifes “vai depender muito das próximas semanas”. “A gente já não tem mais tempo de cobrar pequenas atitudes. Precisamos sim migrar para energias mais limpas, precisamos sim fazer mais investimentos em ciência, reduzir o lixo, esse stress. Este já é um assunto de segurança social, alimentar e econômica”, diz .
O imediatismo é também impresso no recente relatório da NOAA. Segundo leituras da temperatura da superfície do mar e evidências coletadas em recifes, dentro de 365 dias todas as três grandes bacias de corais do planeta, nos oceanos Pacífico, Atlântico e Índico, devem passar por branqueamento. Ao jornal New York Times na segunda-feira (15), Derek Manzello, coordenador do programa NOAA Coral Reef Watch, alerta que em uma ou duas semanas “esse evento deve se tornar o maior fenômeno global de descoloração de corais em termos de dimensão espacial já registrado”.
Escolhendo brigas
Mesmo assim, Janaina celebra que dados coletados pela sua equipe serviram de insumo para um edital do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O documento foi dedicado à preservação de corais, lançado no último dia 10. A chamada pública é acompanhada da destinação de R$ 30 milhões, via Fundo Socioambiental, para os projetos escolhidos. O investimento pode chegar a um total de R$ 60 milhões.
A bióloga acredita que, ao invés de apenas brigar com o gigantesco vilão que é a mudança climática, é preciso atacar diretamente atividades humanas. Pois, elas causam danos ao coral e dificultam seu processo natural de recuperação. “Por exemplo, o turismo irresponsável, a questão da poluição, do saneamento, e ficar de olho e cobrar, tanto dos formadores de opinião e dos políticos, quanto das empresas”, comenta Janaina.
Outra atividade que ela tem acompanhado de perto são práticas que potencializam a recuperação do animal. Entre elas a criação de berçários por meio do manejo de peças quebradas de corais de outras regiões e os chamados. Assim, esses são chamados de ‘corais de proveta’, no qual cientistas lançam óvulos fecundados desses animais de volta no oceano. “Só deixar eles lá quietinhos poderia ser o suficiente no passado, mas hoje não é”, garante.
Fonte: Leonardo Ávila Teixeira, de GQ
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