Durante décadas, falar em sustentabilidade era falar de valores, reputação e responsabilidade social. Hoje, esse debate mudou de patamar. Questões ambientais, sociais e de governança passaram a impactar diretamente custos, receitas, valor de mercado e acesso a crédito, tornando-se parte central da gestão financeira e da estratégia corporativa.
Para entender essa virada, ouvimos Valdir Brunelli Valério Júnior, coordenador geral adjunto do Hub ES+ MCI/Funcitec pela Fapes e mestre em Administração e Contabilidade pela Fucape, na linha de pesquisa Governança e Estratégia. A seguir, ele explica por que a sustentabilidade deixou de ser opcional e como investidores e financiadores estão incorporando esses fatores às suas decisões.
Por que considerar impactos ambientais e sociais deixou de ser apenas uma questão ética? Hoje, desconsiderar esses impactos é considerado um risco financeiro?
Durante muito tempo, impactos ambientais e sociais eram tratados como responsabilidade social, compromisso institucional, boa prática voluntária, ou posicionamento de marca. Ou seja, algo importante do ponto de vista ético, mas que não entrava de forma sistemática nas análises financeiras.
O que mudou é que esses impactos passaram a gerar efeitos econômicos mensuráveis, como: aumento de custos operacionais (energia, seguros, adaptação climática), perdas de ativos por eventos extremos, multas e sanções regulatórias, ações judiciais e passivos contingentes, interrupções produtivas e logísticas, queda de valor de mercado e perda de investidores.
Por isso, hoje ignorar esses impactos significa ignorar riscos financeiros concretos.
Desconsiderar impactos ambientais e sociais é, de fato, um risco financeiro? Sim. E é exatamente isso que as IFRS S1 e S2 formalizam: se um fator pode afetar o fluxo de caixa, o custo de capital ou o valor da empresa, ele é um risco financeiro relevante e precisa ser divulgado, mensurado e gerenciado. Portanto, a sustentabilidade passa a ser parte da gestão de risco corporativo e da estratégia financeira.
Já existem carteiras de investimento que só têm empresas alinhadas com a sustentabilidade? É possível ganhar dinheiro com empresas sustentáveis?
Sim, já existem diversas carteiras, fundos e índices ESG no Brasil e no mundo, que selecionam empresas com melhor desempenho em critérios ambientais, sociais e de governança. No Brasil, por exemplo, o ISE B3 (Índice de Sustentabilidade Empresarial) é um indicador da bolsa de valores brasileira que seleciona as empresas com o melhor desempenho em critérios ambientais, sociais e de governança, servindo como referência para investidores interessados em sustentabilidade e incentivando as companhias a adotarem práticas mais responsáveis e transparentes.
Além disso, estudos mostram que empresas mais sustentáveis tendem a apresentar menor volatilidade, maior resiliência a crises e melhor gestão de riscos. Ou seja, não se trata de abrir mão de retorno, mas de buscar retornos ajustados ao risco mais consistentes ao longo do tempo. Sustentabilidade e rentabilidade não são opostas, cada vez mais são complementares. Investir em sustentabilidade não é sobre ganhar menos, mas sobre correr menos risco para ganhar de forma mais consistente.
Como investidores e financiadores medem se um projeto é realmente sustentável e evitam o greenwashing?
“O mercado saiu do discurso e foi para o dado.”
Historicamente, sustentabilidade era comunicada por relatórios narrativos em uma linguagem institucional pouco verificável. O que muda agora é que investidores passam a tratar sustentabilidade como informação financeira, deixando de ser o que a empresa diz e passando a ser o que ela comprova com dados.
A principal mudança é o foco em dados mensuráveis, verificáveis e auditáveis. Padrões como IFRS S1 e S2 exigem que as empresas expliquem quais riscos e oportunidades são relevantes, como isso afeta financeiramente o negócio, quais métricas e metas são usadas e como essas informações se conectam à governança e à estratégia.
Além disso, cresce a exigência por auditoria independente, uso de métricas padronizadas, comparabilidade entre empresas e consistência ao longo do tempo. Hoje, a sustentabilidade só conta se for mensurável, auditável e conectada ao resultado financeiro. É isso que limita as narrativas genéricas e dificulta o greenwashing.
Uma empresa verde tem acesso a crédito mais barato do que quem não segue essa governança?
Cada vez mais, sim. Embora isso ainda esteja em expansão no Brasil. Bancos, agências de fomento e investidores já oferecem linhas de crédito verdes, sustainability-linked loan e financiamentos com taxas condicionadas a metas ESG.
Para bancos e financiadores, se uma empresa demonstra que entende seus riscos ambientais e climáticos, que tem governança para gerenciá-los, apresenta dados consistentes e auditáveis e reduz a probabilidade de perdas futuras, ela passa a ser vista como menos arriscada financeiramente.
Além disso, muitos bancos e agências de fomento têm metas próprias de sustentabilidade, precisam alocar recursos em projetos verdes e respondem a exigências regulatórias e de investidores internacionais. Ou seja, não é só benefício para a empresa, há interesse do próprio sistema financeiro em financiar negócios mais sustentáveis.
Empresas que demonstram boa governança, gestão de riscos climáticos e impacto positivo tendem a acessar melhores condições financeiras, como juros menores, prazos mais longos ou maior facilidade de captação. Não é automático, mas o mercado caminha claramente nessa direção. A tendência é que, com a adoção de padrões como IFRS S1 e S2, esse diferencial fique mais estruturado, transparente e escalável.
Receba as principais notícias sobre sustentabilidade no seu WhatsApp! Basta clicar aqui