Rede Vozes Negras pelo Clima abre a Casa Sustentabilidade Brasil na COP30

Luciana Souza de Oliveira, da Rede Vozes Negras pelo Clima, fala sobre a abertura da Casa Sustentabilidade Brasil na COP30 e a centralidade das populações negras e periféricas na justiça climática

No dia 9 de novembro, a partir das 14h, a Casa Sustentabilidade Brasil será aberta oficialmente na COP30, com o evento “Diálogos de Intercâmbio por Justiça Climática de Raça e Gênero”, protagonizado pela Rede Vozes Negras pelo Clima (RVNPC). O grupo é formado por pessoas de diferentes estados do país. Ele atua contra o racismo ambiental e climático, dando visibilidade às desigualdades que impactam as comunidades negras e periféricas.

Nesta entrevista ao Instituto Sustentabilidade Brasil (ISB), Luciana Souza de Oliveira, da RVNPC e vice-presidente da Agência de Sustentabilidade das Comunidades do Rio Doce (Ascord). Ela fala sobre o simbolismo político da abertura da Casa. Além disso, destaca o papel do recém-criado ODS 18 e como experiências locais como as do Rio Doce devem guiar o debate climático global.

ISB – A abertura da Casa Sustentabilidade Brasil pelo Rede Vozes Negras pelo Clima coloca a diversidade como ponto de partida para os diálogos da COP30. Como você enxerga o simbolismo dessa escolha e o que ela representa para as comunidades negras e periféricas do Espírito Santo e do país?

Luciana Souza de Oliveira – A abertura da Casa Sustentabilidade Brasil com o evento “Diálogos de Intercâmbio por Justiça Climática de Raça e Gênero”, protagonizado pela Rede Vozes Negras pelo Clima, tem um simbolismo profundamente político e reparador. Dessa forma, a escolha reafirma a diversidade como eixo estruturante dos diálogos da COP30. Ela destaca também a urgência de colocar as pessoas vulnerabilizadas — especialmente mulheres negras, quilombolas, periféricas, originárias, do campo, das cidades e pessoas com deficiência — no centro das discussões climáticas.

A presença da RVNPC nesse espaço é um ato de ocupação e incidência política, que transforma a Casa Sustentabilidade em um território de fala e escuta ativa e qualificada. Em um estado como o Espírito Santo, onde o IDH ainda revela fortes desigualdades raciais e territoriais, mas que escolhe encarar esses dados e propor soluções, esse gesto simboliza resistência e protagonismo.

Além disso, mais que uma cerimônia de abertura, o evento representa um marco de justiça climática e epistêmica. Ele afirma que a transição ecológica justa só será possível quando as vozes negras, periféricas e femininas forem reconhecidas como sujeitos centrais na transformação ambiental e social.

O evento reúne lideranças negras, femininas e indígenas. Que tipo de alianças ou intercâmbios você espera que surjam desse encontro? Especialmente para fortalecer políticas públicas e ações comunitárias voltadas à equidade e ao enfrentamento das mudanças climáticas?

O evento será um espaço de confluência entre múltiplas realidades e vivências. Quando lideranças negras, femininas e indígenas se encontram para trocar saberes, estratégias e experiências, ampliam-se os horizontes do diálogo e reafirma-se que a luta contra as mudanças climáticas não pode ser dissociada da luta por justiça social, racial e de gênero.

Assim, ao valorizar os saberes dos territórios tradicionais e periféricos, o encontro reforça que muitas das soluções mais eficazes para a crise climática já existem nas práticas comunitárias e ancestrais. É preciso escutá-las, reconhecê-las e fortalecê-las.

Espero que dessa confluência surjam alianças sólidas e redes de intercâmbio capazes de incidir diretamente na formulação de políticas públicas inclusivas. Elas precisam ser de base territorial e sensíveis à realidade das mulheres. Dessa forma, quando mulheres negras, indígenas e periféricas ocupam os espaços de decisão, toda a agenda climática ganha legitimidade, profundidade e potência transformadora.

Na sua visão, como o ODS 18 pode contribuir para reposicionar o debate climático, dando centralidade às vozes historicamente silenciadas nos espaços de decisão?

A Portaria nº 198/2025, que institui o ODS 18 – Igualdade Racial, representa um marco histórico no enfrentamento ao racismo institucionalizado. Ela reposiciona o debate sobre sustentabilidade e clima ao reconhecer, em suas metas, que povos afrodescendentes, quilombolas e originários sofrem violações persistentes de direitos humanos.

O ODS 18 traz à tona a urgência de soluções e reparações sociais, ambientais e econômicas voltadas a esses grupos. Ela nasce com uma característica essencial: a participação popular. Assim, a sociedade civil organizada teve um papel ativo no grupo de trabalho que o construiu, o que representa um avanço democrático simbólico.

Ao ser abraçado pela Casa Sustentabilidade Brasil, o ODS 18 reafirma que a crise climática também é uma crise de direitos humanos. Reconhecer a igualdade racial e a diversidade como eixos estruturantes da ação climática é admitir que não haverá transição justa enquanto os corpos e territórios mais afetados seguirem à margem.

A Agência de Sustentabilidade das Comunidades do Rio Doce (Ascord) atua na Planície Costeira do Rio Doce, uma região marcada por vulnerabilidades socioambientais. De que forma as vivências locais inspiram a discussão sobre justiça climática, racial e de gênero dentro da COP30?

Essa pergunta toca em um ponto central. A Ascord atua em uma região impactada por graves vulnerabilidades socioambientais — agravadas pelo crime da lama e pela ausência de políticas públicas estruturantes. Assim, nosso papel é transformar dor em resistência e protagonismo.

Pautamos, portanto, a geração de renda a partir da sustentabilidade, conectando preservação ambiental à dignidade humana. Assim, fortalecemos mulheres, juventudes e comunidades tradicionais que vivem na linha de frente dos impactos climáticos.

A presença da Ascord na COP30 simboliza mais do que uma participação institucional. É um ato de afirmação territorial e política. A conferência é, portanto, uma vitrine global onde podemos compartilhar nossas práticas de resistência. Além disso, podemos denunciar a omissão do poder público e apresentar soluções enraizadas nas comunidades.

No entanto, a justiça climática não se constrói de cima para baixo. Ela nasce das margens, das vozes que foram silenciadas e que agora exigem centralidade nas decisões globais, com práticas baseadas em justiça social e sustentabilidade real.

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