Às vésperas da Páscoa, o cacau nunca esteve tão valorizado. Em 25 de março, os preços da commodity atingiram um novo recorde na bolsa de valores de Nova York. Esse dado serve de parâmetro para os valores praticados no Brasil, chegando a US$ 9.660,00 a tonelada, a maior alta em 40 anos.
Vislumbrando conquistar uma fatia maior desse mercado, o Pará tem feito uma série de investimentos técnicos e científicos para garantir a sustentabilidade no processo. Assim, há pelo menos cinco anos mantém o 1º lugar na produção nacional, superando a Bahia, pólo de fabricação de chocolates do Brasil. Em 2023, o estado produziu 149 mil toneladas de amêndoa seca.
O Pará tem aumentado o cultivo em 8 mil hectares por ano, segundo a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap). A maior parte é de terra firme — áreas que não ficam submersas pelas enchentes do Amazonas ou de seus tributários —, e está na região do Xingu (85% do total), caracterizada pela chamada “terra roxa”, tipo de solo avermelhado muito fértil e propício para a atividade agrícola.
Mas existe um outro tipo de plantação que tem chamado a atenção de cientistas e apresenta grande potencial comercial e ambiental: o cacau de várzea.
Cacau de Várzea
Apesar de ser mais sensível às mudanças ambientais (como aumento de temperatura e regime das águas), o cacau de várzea é rico em nutrientes e pode apresentar aromas e sabores variados. Por isso, são interessantes não apenas para a indústria alimentícia, mas para demais fins, como a fabricação de cosméticos.
A várzea ainda transfere para o cacau atributos como cálcio, potássio e ação antimicrobiana. “A comprovação científica dos compostos ativos do cacau de várzea é importante para a verticalização da cadeia e para que as comunidades consigam vender sua produção com maior valor agregado”, destaca.
“Se você experimentar o chocolate desse cacau pode perceber que é bem diferente. Com uma certificação das propriedades, os produtores poderiam ter uma renda muito maior, pensando no potencial para chocolates finos, por exemplo”, ressalta Fábio Moura, vice-diretor do Centro de Valorização de Compostos Bioativos da Amazônia (CVACBA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), com o qual o projeto da UFRA tem parceria e que conta com recursos do Fundo de Apoio a Cacauicultura do Pará.
Isso quer dizer que se pode ir além de vender um cacau considerado “padrão”, para se pensar no uso comercial refinado de chocolates ao leite. As amêndoas da várzea podem ser reconhecidas como superior em qualidade e seguir direto para linhas mais especializadas e melhor remuneradas. Quanto maior o valor agregado, maior o retorno para os cerca de 31 mil produtores de cacau, 95% dos quais produtores da agricultura familiar, com uma produtividade média de 955 kg/hectare. Estima-se que a cada produtor tenha em média 7 hectares e que a cadeia do cacau paraense gere 352 mil empregos diretos e indiretos.
Cacau e a valorização da floresta em pé
O CVACBA busca traçar um perfil do cacau paraense (de várzea e de terra firme) e, há dois anos, dedica-se à análise sensorial e de compostos bioativos, dentre outros objetivos. O laboratório e a equipe foram preparados com o apoio do Centro de Inovação do Cacau da Bahia, referência na área. “Temos a estrutura para fazer a análise que o produtor muitas vezes não consegue custear, mas que é muito importante para certificar a qualidade das amêndoas e garantir competitividade”, assinala Moura.
“Trabalhamos com os 19 subtipos genéticos do cacau selecionados pela CEPLAC [Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira] e com a pesquisa descobrimos, por exemplo, que um deles tem uma amêndoa muito grande e que não é considerado bom para fazer chocolate, mas é um dos que tem maiores potenciais de compostos bioativos, que podem ser aproveitados pela indústria farmacêutica”, informa Giulia Lima, pesquisadora do CVACBA.
Essa descoberta de potencialidades pode transformar o cacau de várzea em instrumento para a valorização da floresta em pé, assim como o cacau em terra firme, que tem ganhado espaço no esforço de recuperação da Amazônia. Em terra firme, a estratégia do estado é de restaurar áreas previamente degradadas com a aplicação de Sistemas Agroflorestais (SAF), em que se plantam espécies agrícolas e florestais simultaneamente na mesma área.
Desde 2006 a 2023, o plantio do cacau com SAF foi responsável por recuperar 155 mil hectares de áreas alteradas (impactadas, mas com capacidade de regeneração natural), segundo Ivaldo Santana, coordenador do Programa de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva do Cacau (Procacau) da Sedap. “O cacau tem tudo a ver com floresta porque ele só cresce na sombra de uma árvore maior. Então, em um SAF se tem esse fruto embaixo de açaí, andiroba, cedro, entre outros”, descreve.
Inteligência artificial para detectar pragas
Proteger a produção é uma preocupação no estado. Um dos mecanismos é o incentivo à diversidade genética do cacau. Esses mecanismos não apenas atende a diferentes indústrias, mas reduz o impacto de pragas, como a vassoura-de-bruxa, causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa. Essa praga devastou a produção na Bahia a partir de 1989 e é apontado como culpado pelo declínio dessa cultura no estado.
O Pará também investe em pesquisas científicas para a proteção do fruto. Uma novidade é um software que usa inteligência artificial (IA) para detectar a vassoura-de-bruxa. A doença pode ser identificada desde o início de sua contaminação, com sintomas visuais, tais quais inchaço e proliferação de pequenos brotamentos na planta. “É uma doença que pode ser identificada olhando, por isso conseguimos treinar a inteligência artificial, mais especificamente a visão computacional, para saber quando um cacau está saudável ou não somente ao analisar fotos”, explica o professor da UFRA Marcus Braga, coordenador do projeto e do Núcleo de Pesquisas em Computação Aplicada (NPCA), cujo grupo multidisciplinar e interinstitucional aplica a tecnologia em diferentes frentes de atuação.
” Cacau Inteligente “
O aplicativo Cacau Inteligente: Diagnóstico de Doenças (CIDD) já foi desenvolvido, testado e patenteado no âmbito da Universidade. A expectativa é que seja disponibilizado para uso público em breve. Isso significa que qualquer produtor poderá tirar fotos de sua plantação ou fruto e enviar para exame da IA. A ferramenta tem taxa de acerto superior a 95% e é capaz de diagnosticar também a podridão parda e o mal do facão.
O projeto é financiado com recursos estaduais e federais (Fapespa e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq) e deve entregar o protótipo final ainda este ano. “Queremos ajudar principalmente o pequeno produtor, que não consegue arcar com custos de assistência técnica e não tem o conhecimento especializado para identificar pragas a tempo de salvar seu plantio”, sinaliza Braga.
Fonte: Alice Martins Morais/Um Só Planeta
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