O varejo de alimentos está atrasado na adoção de práticas para frear a compra de carne bovina vinda de áreas desmatadas ilegalmente na região da Amazônia Legal. De uma lista de 67 grandes varejistas brasileiras, apenas quatro atuam nesse monitoramento de fornecedores: Grupo Pão de Açúcar (GPA), Carrefour, Assaí Atacadista e Cencosud Brasil, segundo o Radar Verde, índice apurado em parceria pelo Instituto O Mundo que Queremos e pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
A edição de 2024 do levantamento traz, pela primeira vez, pontuação graduada em cores, além das notas de cada uma dessas quatro varejistas com práticas comprovadas no monitoramento da cadeia fornecedora de carne bovina de forma detalhada.
O GPA obteve, no total, 53 em pontuação, mas numa escala que vai de zero a cem. Na sequência vêm Carrefour e Assaí, ambas com 48 pontos, e Cencosud, que pontuou este ano, com sete. O Grupo Pão de Açúcar é o único a citar a meta de desmatamento zero em seus relatórios públicos, segundo o levantamento.
Frigoríficos em pesquisa separada
No Brasil, mudanças do uso do solo e floresta, o que na prática se traduz majoritariamente em desmatamento e queimadas, são o principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa. Na segunda posição está a agropecuária, atividade que representa quase 96% do desmatamento no país, conforme relatório anual do MapBiomas, citado pelo Radar Verde.
— Esses resultados são uma chamada à ação para todos: varejistas, consumidores, investidores, financiadores e formuladores de políticas públicas. Ao destacar as lacunas e os avanços nas políticas de sustentabilidade das empresas, o Radar Verde fornece informações essenciais para decisões conscientes de consumo e investimento, incentivando uma transformação sustentável no setor — diz Alexandre Mansur, diretor de projetos do Instituto O Mundo Que Queremos.
O Radar Verde 2024 traz ainda uma outra mudança, na comparação com suas duas edições anteriores. Ele deixa de apresentar uma análise conjunta de frigoríficos e varejistas, dividindo esses segmentos em duas pesquisas. A relativa aos frigoríficos está em elaboração e sai em dezembro.
A pesquisadora Débora Moreira explica que a metodologia do Radar Verde vem sendo aprimorada ano a ano:
— Era uma metodologia unificada. E houve uma certa resistência nos varejistas, porque a maioria deles considera como sustentabilidade o controle de resíduos em especial, e não o controle da cadeia produtiva da carne. No relatório de 2024 foram 67 varejistas. Deles, 46 tinham um site para fazermos a pesquisa e só quatro foram pontuados.
Varejistas podem impulsionar mudanças
A lista de 67 varejistas considera os 50 maiores grupos do país apontados pelo ranking elaborado anualmente pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), incluindo ainda as 17 maiores redes da Amazônia Legal. Afora as quatro classificadas, as outras 63 empresas tiveram pontuação zero pelo Radar Verde 2024.
Os varejistas, avalia Débora, entendem que a responsabilidade sobre o monitoramento da origem da carne bovina recairia mais sobre os frigoríficos, principalmente porque muitos desses grupos de comércio de alimentos dispõem de relatórios de sustentabilidade públicos, mas que não citam práticas de controle dos fornecedores de carne.
Outro ponto, destaca a pesquisadora Camila Trigueiro, é o que ficou conhecido como TAC da Carne. Esse é um Termo de Ajustamento de Conduta assinado entre o Ministério Público Federal e os frigoríficos do país. Eles têm o objetivo de combater a compra de gado vindo de áreas de desmatamento ilegal ou de grilagem. Bem como de locais onde existem mão de obra atuando em condições análogas à escravidão. Com esse pacto e o Compromisso da Pecuária, uma série de regras e protocolos foram criados. Dessa forma, podem orientar a forma como os frigoríficos devem operar, incluindo punições por não obediência ao acordado.
— Os varejistas não foram envolvidos dentro dessas avaliações e protocolos definidos para os frigoríficos. Continuaram sendo um elo da cadeia que foi negligenciado, que não tem olhado para cadeia da carne como um corresponsável nas iniciativas que devem existir para se eliminar o desmatamento dentro dessa cadeia de produção —alerta Camila. — E está muito na mão do varejo conseguir essa mudança porque 75% do que a gente produz de carne vai para consumo interno, enquanto 25% são exportados.
Referência para outros setores
Ainda assim, afirmam as pesquisadoras, há melhora consistente em itens da pesquisa. E o Radar Verde vem dialogando com entidades setoriais e instituições financeiras sobre o levantamento independente. A ideia é que diversos segmentos da economia possam utilizar os dados de alguma forma.
— O setor financeiro, por exemplo, consegue olhar os dados e ver aqueles que apresentam melhor desempenho e, então, pensar em suas iniciativas. Na concessão de crédito, poderiam utilizar o indicador. E, dessa forma, quem apresenta maior compromisso, tem melhor desempenho, resultados, possivelmente teria melhor acesso a crédito. E aqueles que negligenciam esses pontos de monitoramento poderiam enfrentar alguma restrição — argumenta Camila.
Este ano, a pesquisa contou com apoio do Instituto de Defesa do Consumidor, que recomendou aos varejistas que respondessem ao questionário do Radar Verde. As pesquisadoras frisaram, ainda, que adotar um sistema de monitoramento da cadeia da carne para coibir ilegalidades socioambientais não resulta em produto mais caro para o consumidor. Dessa forma, sendo viável conciliar a rastreabilidade da cadeia fornecedora com preço acessível do produto nas prateleiras.
Fonte: Glauce Cavalcanti / O Globo
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