O aviso soou alto e claro: nossos esforços atuais são insuficientes para enfrentar a iminente crise climática. Eventos climáticos extremos recentes evidenciam que estamos adentrando um território desconhecido, com perspectivas ainda mais preocupantes do que as destacadas no último relatório da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCC), que apontou a possibilidade alarmante de um aumento de temperatura de 2,6ºC até o ano de 2100.
Esta previsão catastrófica deveria acionar todos os alarmes, já que sinaliza consequências devastadoras para a civilização tal como a conhecemos. Esses impactos se estendem a todos os setores vitais: agricultura, disponibilidade de água, economia e nossas cidades. O acréscimo na temperatura poderia desestabilizar irreversivelmente nossas bases, ameaçando a sustentabilidade e a subsistência humana.
Diante dessa crise iminente, cientistas de todo mundo têm se dedicado incansavelmente na busca por soluções inovadoras e tecnológicas para mitigar este colapso climático. A quantidade de poluição despejada anualmente na atmosfera equivale a 50 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. As estimativas apontam que, para mantermos um aumento de temperatura abaixo de 2 graus Celsius, nosso limite seguro, não poderíamos ultrapassar 800 bilhões de toneladas de CO2. Esta realidade representa uma espécie de roleta russa climática, onde o tempo estimado para agir com eficácia é de aproximadamente 16 anos.
Importância de frear a produção de carbono
Não se trata mais apenas de interromper as emissões, mas de desenvolver métodos para extrair essa poluição da atmosfera. Por isso, muitos esforços estão concentrados na criação de máquinas e tecnologias com este propósito. No entanto, a resposta mais surpreendentemente viável e eficaz está ao nosso alcance: a regeneração de florestas. As florestas tropicais, em particular, oferecem uma vantagem substancial na absorção de carbono. E dentre elas, a Amazônia, a maior e mais biodiversa, emerge como peça chave neste combate às mudanças climáticas.
Uma área típica da Amazônia tem a incrível capacidade de armazenar 500 toneladas de carbono por hectare, um número expressivo. A região amazônica apresenta uma área desmatada equivalente aos territórios da França e Itália, espaço que poderia ser revitalizado para capturar carbono por meio da regeneração natural e da restauração florestal. É importante ressaltar que dos 86 milhões de hectares abertos na região, 90% são ocupados por pastos, sendo que a maioria estão degradados e abandonados.
Com base nesta situação, o estudo “Carbono e o Destino da Amazônia”, do projeto Amazônia 2030, demonstra que, apesar de terrível, este cenário guarda uma oportunidade. A gestão do carbono pode não somente reaquecer a economia regional, mas também aprimorar substancialmente a qualidade de vida das comunidades locais, ao mesmo tempo que mitiga os impactos das mudanças climáticas.
Futuro promissor
O estudo indica um caminho promissor: uma proposta econômica inovadora que sugere um mecanismo de mercado onde o mundo pagaria pelo carbono capturado pela floresta. Essa ideia vai além de simplesmente conter o desmatamento, ela propõe uma mudança estrutural na economia da região. Sob este modelo, áreas desmatadas seriam destinadas ao restauro florestal, estimulando a regeneração natural da floresta e gerando receitas significativas para o país.
A análise prevê um mecanismo de pagamento simples por resultados de captura de carbono. O Brasil receberia recursos por sua contribuição líquida para o problema do clima, oriunda da captura líquida de carbono. Isso seria destinado a um fundo usado para combater o desmatamento e fomentar o restauro florestal em escala. O estudo não detalha a implementação da proposta, que ficaria a cargo do Governo Federal.
Entretanto, este potencial está intrinsecamente vinculado a um fator crucial: o preço do carbono. Com um valor mínimo de 20 dólares por tonelada de CO2, a regeneração florestal torna-se uma alternativa muito mais atrativa do que a pecuária. Em um mercado global com uma média de 90 dólares por tonelada de CO2, o Brasil encontra-se em uma posição vantajosa para negociar com governos e empresas interessadas em compensação de carbono.
Potencial das florestas
A projeção do potencial de captura atinge 16 gigatoneladas, o equivalente a 16 bilhões de toneladas de carbono. A um preço de US$ 20 por tonelada, isso representaria US$ 320 bilhões. Contudo, esse valor é conservador; com uma cotação de US$ 40 por tonelada, o montante alcançaria US$ 640 bilhões, capital que poderia ser investido de inúmeras maneiras para impulsionar a economia local e elevar a qualidade de vida da população.
No entanto, para concretizar esta visão promissora, três condições essenciais precisam ser plenamente atendidas. Primeiramente, urge eliminar completamente o desmatamento, fazendo cumprir rigorosamente o Código Florestal em áreas privadas e combatendo invasões de terras públicas. Em segundo lugar, é vital recompensar aqueles que protegem e preservam a floresta, seja em Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou propriedades privadas. Por fim, é necessário criar meios para recompensar ativamente a regeneração da floresta em áreas previamente desmatadas.
É crucial enfatizar que a floresta regenerada não apenas oferece créditos de carbono, mas também uma vasta gama de bens, incluindo produtos alimentícios, madeira, pesca, turismo e outras atividades sustentáveis. O “rematamento” também protegeria os chamados “rios voadores”, onde a umidade do Atlântico é transportada pela circulação atmosférica. Ao atravessar a floresta, essa umidade é recarregada, desempenhando um papel determinante no regime de chuvas em várias regiões do país, notavelmente no centro-oeste, sudeste e sul.
Oportunidades para o Brasil
Nessas áreas, a agricultura e a geração de energia dependem essencialmente da saúde da floresta e desse regime de chuvas. Ou seja, o desmatamento excessivo afeta o regime de chuvas prejudicando novamente a existência da própria floresta, aproximando-a de um perigoso limiar do ponto crítico de irreversibilidade (tipping point). Caso esse ponto seja ultrapassado, a floresta perde a capacidade de se regenerar e as consequências serão de proporções catastróficas, afetando não apenas a vida e a biodiversidade presente na região, mas a estabilidade econômica e climática
O Brasil se vê diante de uma oportunidade única para remodelar o futuro da Amazônia. O pagamento pelo carbono capturado pela floresta pode ser a chave para uma economia mais sustentável. Portanto, a entrada do Brasil no mercado de carbono oferece não apenas oportunidades econômicas, mas também a possibilidade de realinhar a Amazônia com a agenda global de preservação ambiental.
Esse modelo não apenas traz benefícios locais e nacionais, mas tem o potencial de influenciar positivamente o cenário global de mudanças climáticas. Um mecanismo robusto de pagamento pelo carbono florestal pode evitar um ponto crítico na crise climática e oferecer tempo adicional para lidar com esses desafios, não apenas na Amazônia, mas também em outras regiões que enfrentam dilemas semelhantes.
Investir na floresta não é apenas um ato de conservação, mas também um investimento na sustentabilidade econômica e ambiental do Brasil e do mundo. Este é o momento de transformar a Amazônia, não apenas pelo seu valor intrínseco, mas como um motor para uma mudança positiva global.
Fonte: Gustavo Nascimento / O Mundo que Queremos
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