Agilidade, responsabilidade: empresas precisam acelerar mudança para não perder mercados

Dados mundiais mostram que menos da metade das empresas planejam estratégias pensando em critérios climáticos, e criação de produtos precisa incorporar sustentabilidade desde a prancheta

Foto: Pexels -

Os esforços corporativos das empresas para tornar os negócios cada vez mais sustentáveis vêm aumentando a cada ano, mas a velocidade das mudanças climáticas pede uma rapidez ainda maior. É o que apontam análises de reportes de indicadores de sustentabilidade de duas companhias globais, a consultoria Accenture e o CDP, plataforma independente com dados de mais de 23 mil companhias entre as maiores do mundo, de acordo com executivos ouvidos pelo portal Um Só Planeta.

Os estudos se complementam e indicam que, além de conhecer seus impactos sobre o meio ambiente e as sociedades, para poder mitigá-los, a maioria das empresas ainda não parece ter alcançado o espírito dos negócios responsáveis no século 21: ser sustentável como regra, o que leva à vantagem competitiva.

Dados do CDP sobre o Brasil (ano base 2023)

  • 14% das empresas têm metas alinhadas ao teto de 1,5°C no aquecimento global
  • 22% reportaram objetivos de redução de emissões de gases estufa
  • 31% estão reduzindo suas emissões conforme o planejado
  • 9% ultrapassaram as metas
  • 33% elaboram estratégia de negócio considerando cenários climáticos

Para Sherry Madera, CEO global do CDP, as vantagens em ser sustentável são o ponto principal que as companhias que desejam sucesso precisam perceber. Janelas começam a se fechar para empresas que seguem indiferentes às mudanças climáticas e todas as suas implicações, e bolsas de valores ao redor do globo, inclusive a brasileira, já exigem que corporações listadas apresentem seu desempenho em sustentabilidade. “A resposta para a velocidade de adesão das empresas é ‘não rápido o suficiente’”, afirma a executiva.

Outra ferramenta importante, o crédito, também vem considerando mais a cada dia o fator climático, ambiental e social como risco.

“As pressões regulatórias cada vez mais devem forçar empresas a se repensarem. A partir do momento que tenho que reportar risco climático em uma empresa de capital aberto, tenho que dizer ao meu acionista a exposição da minha empresa, onde ela opera, por exemplo. Se minha cadeia está exposta a um risco climático enorme, o acionista vai prever disrupção, falta de insumo e ver um valor futuro da empresa impactado”, afirma Victor Lima, líder de inovação e tecnologia sustentável da Accenture para a América Latina.

Foto: PixaBay

“Reboot” nas empresas

Em conversa com Um Só Planeta, ambos os executivos defenderam a necessidade de um “reboot” na forma de pensar das empresas, entendendo que para sobreviver será necessário tornar-se verde do início ao fim, desde o design dos produtos, que já define o ciclo de vida e o reuso ou descarte biodegradável, até as implicações econômicas de ficar fora desta remodelação, perdendo mercados, investidores e clientes.

As empresas têm modelos mentais de sustentabilidade. Há empresas que têm o mindset de compliance e risco, fazendo o mínimo que a legislação exige. Outras evoluem e incorporam novos fatores, olhando para risco de eventos climáticos extremos, para se precaver e capturar oportunidades com a emergência climática. E ainda há aquelas que são mais reativas às demandas de mercado, veem que o consumidor quer mudar e adaptam seu produto. As líderes são as que se posicionam e se diferenciam por assumir o tema da sustentabilidade.

— Victor Lima, líder de de inovação e tecnologia sustentável da Accenture

Dados da Accenture sobre inovação e consumo

  • 51% das maiores empresas estão projetando produtos com menores emissões
  • 29% das pessoas escolhem opções ecológicas, independentemente do preço
  • 50% dos consumidores priorizam produtos e serviços sustentáveis
  • 16% de empresas investem em inovação com foco em ESG
  • América Latina, Ásia e Oriente Médio têm 2X mais desejo por produtos sustentáveis do que América do Norte e Europa
  • Brasil e Filipinas têm cerca de 70% do público preocupado com excesso de consumo

O Brasil vive uma situação única no cenário geopolítico global, por ser um país visto como o zelador da Amazônia, maior floresta tropical do mundo e ecossistema essencial para a manutenção de um clima habitável em escala humana. É uma situação que coloca pressão também sobre corporações brasileiras, ressalta a presidente do CDP.

“As empresas precisam ao menos interagir com estes tópicos, não apenas clima e emissões, aquecimento, mas o impacto sobre a natureza. Isso é uma atenção que cresce no mundo e as empresas brasileiras vão bem, pois é algo quase no DNA de vários negócios. Não estou dizendo que sempre as melhores decisões são tomadas, mas há um nível de consciência alto”, analisa Madera.

Dados da pesquisa

A pesquisa da Accenture mostra que um consumidor próximo a ambientes afetados por eventos extremos causados pelas mudanças climáticas está preocupado. Para Lima, isso faz com que consumidores em regiões como a Amazônia, o Pantanal e o Rio Grande do Sul comecem a pensar em práticas mais sustentáveis na agricultura, por exemplo. “Os incêndios florestais, o desmatamento, a mudança de uso de solo… São temas importantes no Brasil, que precisam ser endereçados de forma correta”, avalia o executivo.

Quando falamos em considerar 1,5°C, estamos falando de metas com base científica. E o que o mercado vem mostrando é que estabelecer essas metas é um desafio. Para ter um objetivo, você precisa ter uma base de referência e um plano de transição. Por que 100% das empresas não têm metas? Vemos isso crescendo, mas é uma jornada. É preciso construir capacidade de perceber dados como base para boas decisões nos negócios, e assim as companhias indicarem onde pretendem chegar, para que possam ser monitoradas.

— Sherry Madera, CEO do CDP

Verde desde a prancheta

Focado em estratégia de negócio e inovação, o estudo da Accenture chama atenção para o potencial da circularidade. Dessa forma, sugerindo o conceito “green by design”, ou “sustentável por princípio”, em tradução livre. Então, para atender mercados cada vez mais exigentes em relação ao impacto do consumo sobre os ecossistemas naturais, as empresas devem considerar fatores de sustentabilidade desde a criação do produto, em vez de recorrer a adaptações e improvisações de marketing que podem virar um tiro no pé.

O objetivo da pesquisa é propor uma nova abordagem. Dessa forma, evitando um ciclo comum em que a decisão de colocar atributos mais sustentáveis de produtos costuma acontecer “tarde demais”. “O produto já passou por P&D, análise de mercado e no final do projeto, ou até depois de lançar, as empresas começam a avaliar o ciclo de vida do produto, ou mesmo analisar que o impacto de carbono dele é menor que um concorrente e usar essa oportunidade”, observa Lima.

A prática pelas empresas

Ser verde desde a prancheta, ideia que pertence ao universo da economia circular, vai significar levar em consideração fatores importantes para a decisão de compra dos consumidores. Mas também uma vantagem competitiva. Assim, ela promete diminuir passivos ambientais e facilitar o acesso ao crédito. Além disso, pode possibilitar um marketing extremamente positivo em relação à concorrência, inclusive com melhor preço, aponta a pesquisa.

“Empresas que pensam em produtos sustentáveis desde o início da cadeia de valor conseguem posicionar o produto de uma forma que os diferencia dos competidores. Isso acontece focando na criação de valor em primeiro lugar, insights de dados, de consumo, do mercado, usando inteligência e tecnologia para achar nichos. Elas tendem a otimizar uma estratégia de posicionamento do produto que o encaixa além do preço, usando uma estratégia de design inteligente”, afirma o executivo.

Brasil elabora estratégia de economia circular

No final de junho, com a criação da Estratégia Brasileira de Economia Circular, o Brasil se juntou ao clube de países com planos oficiais em curso para mudar parques industriais e agropecuários. Assim, passando do modo linear de produção, que esgota recursos naturais em busca do lucro, para a economia circular. Este segundo significa um sistema é redesenhado para que, sim, haja lucro, mas a matéria-prima possa ser, ao final do ciclo de vida dos produtos, reutilizada de forma eficaz e com valor agregado, minimizando impactos ambientais.

Dessa forma, o projeto atrai grandes setores da economia. Além disso, ocorre em ritmo acelerado. Isso segundo o secretário de descarbonização, economia verde e bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Rodrigo Rollemberg. Assim, a iniciativa do governo tem potencial de impulsionar políticas públicas para setores como a metalurgia, mineração, construção civil e agropecuária, entre outros.

Fonte: Marco Britto / Um Só Planeta

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