Um post feito pelo filho mais velho de Donald Trump viralizou nas redes sociais ao revelar um vídeo em que Kamala Harris, atual vice-presidente dos Estados Unidos e candidata do Partido Democrata à presidência, supostamente sugere que os jovens não tenham filhos por causa dos efeitos negativos das mudanças climáticas no planeta.
A informação divulgada na publicação, entretanto, é falsa. A fala de Kamala Harris foi distorcida por Donald Trump Júnior para dar um sentido diferente ao que foi dito. Além disso, a declaração foi tirada de contexto com o compartilhamento de um vídeo de apenas 15 segundos da participação da vice-presidente em um evento.
O que circulou sobre Kamala
Donald Trump Júnior postou no X e no Facebook, no dia 27 de julho, que um “vídeo que voltou à tona mostra Kamala Harris sugerindo que os jovens não devem ter filhos devido às mudanças climáticas”. A publicação contém um trecho de 15 segundos de uma gravação da vice-presidente sendo entrevistada no palco de um evento.
Até o meio-dia de terça-feira (13), nas duas redes sociais, os posts tiveram 5,3 milhões de visualizações do vídeo e 5 mil comentários, incluindo um do empresário Elon Musk, dono do X, no qual ele sugere que Kamala Harris é a favor da extinção da humanidade.
Por que é fake?
O vídeo original é de 19 de setembro de 2023 e mostra Kamala Harris em uma faculdade na cidade de Reading, no estado da Pensilvânia. Na ocasião, ela participou de um encontro do projeto “Fight for Our Freedoms” (Lute pelas nossas liberdades, em tradução literal), promovido pela Casa Branca, com foco em debater temas que impactam os jovens, como liberdade reprodutiva, mudanças climáticas, direito a voto e igualdade LGBTQ+.
A íntegra da conversa foi publicada no canal oficial da Casa Branca no YouTube. O trecho que viralizou pode ser visto a partir dos 8 minutos e 11 segundos. Assim, o conteúdo completo permite verificar que o comentário de Kamala Harris sobre mudanças climáticas é parte de uma resposta mais longa. A fala é sobre o papel dos eleitores jovens e a importância do voto.
Em tradução literal do inglês, a vice-presidente afirmou o seguinte: “Eu ouvi jovens líderes falando comigo sobre um termo que eles cunharam chamado ‘ansiedade climática’, que é o medo do futuro e do desconhecido, se faz sentido até mesmo pensar em ter filhos, se faz sentido pensar em comprar uma casa, pois o que será do clima?”. E complementou: “Mas porque as pessoas votaram, nós fomos capazes de aplicar mais de US$ 1 trilhão em investimentos em nosso país em torno de questões como resiliência climática e adaptação”.
Detalhes
A resposta permite verificar que Kamala Harris não sugeriu nem encorajou, em nenhum momento, que os jovens não tenham filhos por conta das mudanças climáticas. Na verdade, a vice-presidente citou o termo “ansiedade climática” e observou que uma de suas consequências é levar alguns jovens a avaliar possibilidades como, por exemplo, não ter filhos nem comprar uma casa em razão da incerteza sobre o futuro do planeta. Como EUA não têm voto obrigatório, sua fala mostra que o voto é caminho para construir políticas climáticas robustas e mudar o futuro.
Jovens e as mudanças climáticas
A preocupação com os efeitos das mudanças climáticas tem crescido, principalmente entre os mais jovens. Uma pesquisa internacional feita em 2021 mostrou que 59% das pessoas entre 16 e 25 anos estavam “muito ou extremamente preocupadas” com o clima. Além disso, 39% disseram estar hesitantes em ter filhos.
O Brasil foi um dos dez países que fizeram parte do estudo. Ao responder às perguntas dos pesquisadores, 48% dos brasileiros declararam que as mudanças climáticas os fazem hesitar em relação a ter filhos. A maioria (92%) também disse crer que a humanidade falhou em tomar conta do planeta e acha que o futuro é assustador (86%).
Ter ou não ter filhos, eis a questão?
Os impactos da crise climática na decisão de ter ou não filhos vai além da preocupação com as condições de vida na Terra. Ao analisar 13 estudos conduzidos entre 2012 e 2022, uma pesquisa da University College London (UCL), de Londres, identificou haver pelo menos outros três fatores decisivos diretamente relacionados ao tema.
O primeiro deles é a incerteza quanto ao impacto ecológico de uma superpopulação e do consumo excessivo em um planeta com recursos escassos. Outro, com maior incidência em países de menor poder aquisitivo, é conseguir sustentar a família, principalmente em períodos de declínio na produção agrícola. O terceiro fator diz respeito a posições políticas, incluindo recusa ou até protesto como forma de pressionar uma mudança sistêmica.
Há, ainda, outra vertente que tem provocado muito debate e polêmica: o impacto de colocar uma pessoa a mais no mundo. Com isso, surge o questionamento de como isso pode escalar ao passo que este filho ou filha poderá gerar descendentes. Já há até estudos estimando que decidir ter um filho a menos pode reduzir suas emissões de CO2, o que seria uma forma de cuidar da Terra. Importante considerar também que o estilo de vida influencia a pegada ambiental de cada pessoa. Um consumidor de classe média dos EUA tem uma pegada ecológica maior do que uma pessoa que mora na área rural da Índia, por exemplo.
Outros estudos
Vale destacar que outras pesquisas mostram que, embora a crise climática seja um fator de peso na decisão de ser pai ou mãe, há uma preocupação generalizada na população mais jovens em relação à sustentabilidade como um todo. Assim, o pensamento inclui questões financeiras e sociais. Além disso, abrange problemáticas como falta de emprego ou baixa renda, até aspectos de governança que podem resultar em conflitos, guerras e outros desastres ambientais.
Fonte: Leandro Becker / Um Só Planeta
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