Em novembro, enquanto países-membros das Nações Unidas estarão reunidos na COP29 no Azerbaijão, outra reunião importante para o futuro da política mundial vai ocorrer no Rio de Janeiro. A cúpula do G20, grupo com as 20 maiores economias do mundo, será um encontro cercado de expectativa quanto ao recado que o grupo dará ao mundo em relação a temas ligados à mudança climática.
Espera-se que o G20 atualize as NDCs, sigla em inglês para as contribuições nacionais determinadas por cada país para o corte programado nas emissões de gases de efeito estufa, grandes vetores do aquecimento global. É aguardada igualmente uma contribuição dos líderes mundiais sobre a organização do sistema bancário mundial para otimizar o fluxo das finanças climáticas, tema este considerado central na COP29.
Antes disso, ministros das finanças do G20 se reunirão no Rio esta semana, com parte do andamento dos trabalhos do grupo. Com o encontro em mente, nesta terça-feira (23), especialistas debateram estas questões em webinar promovido pela GSCC (Global Strategic Communications Council), organização dedicada a fortalecer o debate sobre as responsabilidades das principais economias do mundo em questões relacionadas com a crise climática.
A presidência do Brasil no G20 este ano foi elogiada, devido à determinação brasileira em buscar soluções sistêmicas, considerando não apenas a crise do clima mas seus impactos sociais, e também pela proposta de taxar super-ricos globalmente.
Financiamento: Perdoar dívidas para impulsionar investimento no clima
“Se as pessoas não tiverem comida na mesa será difícil pensar em transição energética”, afirma Maiara Folly, diretora executiva da Plataforma Cipó, instituto brasileiro independente de pesquisas focadas em clima e relações internacionais. Enquanto grande parte do debate destacou a iniciativa brasileira de propor, junto a outros países, a taxação de grandes fortunas como forma de fomentar um fundo climático mundial, a especialista lembrou que o G20 deve pensar sistemicamente em um pacote de iniciativas para trazer soluções financeiras para as diversas necessidades atuais em meio à mudança climática.
Levar cinco anos para acessar um fundo, para então começar a desenvolver um plano de adaptação pode demorar demais dependendo da nação. É importante que a taxa dos bilionários venha sendo discutida, mas é algo que não estará operacional em novembro.
— Maiara Folly, diretora executiva da Plataforma Cipó
Folly lembra o grupo das nações mais ricas sobre a questão de financiamento para combustíveis fósseis, por exemplo, destacando que metade da população mundial vive em países mais dedicados a pagar dívidas do que investir em saúde e educação. “O perdão dessas dívidas também deve ser trazido à mesa”, destacou Folly, como forma de ajudar a criar um fluxo direcionado ao financiamento climático. “São questões que devem ser resolvidas paralelamente, e urgentemente, para prover os trilhões necessários às necessidades mundiais.”
Responsabilidades claras para endereçar o dinheiro
Sandra Guzmán, coordenadora do GFLAC, grupo mexicano dedicado ao desenvolvimento de um mercado financeiro de baixo carbono, sinalizou que é importante responsabilizar países diretamente pela transferência de fundos aos países em desenvolvimento. Enquanto há uma promessa de fornecer US$ 100 bilhões (R$ 557 bilhões) como ajuda climática, os deveres de cada um dos países poderia estar mais claro.
O G20 é o lugar, segundo Guzmán, para a definição destas responsabilidades, e o Brasil na posição de presidente do grupo tem essa oportunidade de colocar os elementos relacionados não apenas ao dinheiro, mas à qualidade dessa assistência, visando não apenas à transição energética, mas também à qualidade de vida dos países mais afetados pela mudança climática.
Definir a meta global de US$ 100 bilhões é ótimo, mas se não houver definições claras de quanto será dinheiro público e quanto será privado, por exemplo, será difícil acompanhar e cobrar esse progresso.
— Sandra Guzmán, coordenadora do GFLAC
Outra questão em debate é quem terá prioridade em receber o dinheiro, lembra Guzmán. Se serão nações-ilhas, por exemplo, ou nações mais pobres. “Não se trata de falta de dinheiro, mas como classificá-lo para endereçá-lo aos propósitos necessários.”
A influência da presidência do Brasil no G20 em 2024
Friederike Roder, vice-presidente de política global e advocacy da organização Global Citizen, afirma que há expectativas grandes sobre o papel do G20 na gerência de objetivos climáticos globais. “Temos oportunidade com o Brasil, com agenda forte e inovação em questões climáticas. Com as eleições que temos à frente, a presidência brasileira tem uma responsabilidade grande de assegurar que esta agenda se mantenha de forma robusta”, comenta a executiva, considerando especialmente o resultado das eleições americanas no final do ano.
A decepção com os resultados da última reunião do G7, que foi contido em suas atualizações de políticas climáticas, deixa ao G20 a missão de demonstrar preocupação com temas relevantes da mitigação do aquecimento global, como a taxação dos bilionários, por exemplo.
Há uma janela de oportunidade e propostas interessantes que podem mover o mundo na direção certa. Dados os desafios de mitigação e adaptação, é necessário abrir fontes de financiamento, e o Brasil trouxe uma opção que é a taxação de bilionários, mas é necessário também progredir no estabelecimento de definições de risco, por exemplo, o que facilitaria o fluxo do financiamento para bancos multilaterais.
— Friederike Roder, VP de política global e advocacy da Global Citizen
Na avaliação de Roder, o Brasil vem fazendo um trabalho ótimo em olhar além do G20 na busca por parcerias frente à crise do clima, o que funciona como espécie de vacina contra uma realidade com Trump à frente dos Estados Unidos novamente. “Poderia haver um acordo sem os americanos. O G20 tem o poder de ao menos sinalizar onde seriam aplicados os fundos vindos de uma taxa para bilionários, se seriam usados contra a fome, contra o clima.”
Fonte: Marco Britto /Um Só Planeta
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