Os oceanos transportam mais de 80% do comércio internacional de bens e mercadorias, ajudam a regular o clima global, atuando como sumidouros de carbono, são lar de milhares de espécies que compõem uma biodiversidade marinha rica e ainda pouco conhecida, fonte de lazer, turismo e contemplação, fonte de inovação para a indústria, emprego, alimento e sustento para famílias em todo o mundo. São a origem da vida na Terra. Ainda assim, acumulam desafios equivalentes a sua extensão e profundidade: poluição química e sonora crescentes, acidificação das águas, sobrepesca, entre outros problemas que só poderão ser enfrentados de forma plural e com cooperação internacional (G20), afinal os oceanos não possuem fronteiras.
Em um reconhecimento da importância dos oceanos e seu papel central no combate à emergência climática, a presidência brasileira no G20 criou a iniciativa Oceans20 (O20), o Grupo de Engajamento da Sociedade Civil sobre Oceano, um dos 13 grupos de engajamento integrantes do G20 Social, que vai caminhar ao lado das trilhas financeira e política do encontro. A ideia é discutir de forma ampla com participação da sociedade a construção de uma economia oceânica sustentável. O primeiro encontro do grupo de trabalho aconteceu nesta segunda-feira (18), no Rio de Janeiro, que sediará a Cúpula do G20 em novembro.
Oceanos como prioridade
Segundo André Aquino, coordenador técnico do G20 no MMA, uma das marcas da gestão do atual governo brasileiro é a escuta ativa na construção de políticas, e a participação de atores não governamentais é fundamental nesse processo. “A gestão sustentável do oceanos é fundamental para enfrentar a tríplice crise planetária, do clima, poluição e biodiversidade. Precisamos unir esforços entre todos os brasileiros e todas as nações”, destacou para um auditório lotado de convidados da academia, terceiro setor, organizações privadas e públicas, e representantes da sociedade civil, incluindo pescadores e ativistas. Ele acrescentou que o tema dos oceanos está sendo tratado como “prioritário” no GT de sustentabilidade e mudanças climáticas na presidência do Brasil e que as discussões inaugurais do O20 serão acolhidas pelo governo.
Estratégias do G20
Muito além dos ouvidos e olhos do governo brasileiro, o esforço é para que o tema ganhe espaço e atenção nos debates de alto nível dos líderes do G20. Gustavo Westmann, Assessor Especial para Assuntos Internacionais da Secretaria Geral da Presidência da República do Brasil contou que, ao longo do ano, um resumo das discussões do O20 deverá ser apresentado em uma das reuniões da Trilha de Sherpas, os eventos preparatórios comandados pelos emissários pessoais dos líderes do G20.
“A agenda dos oceanos é chave e precisa de mais espaço”, afimou Westmann, reconhecendo que haverá desafios. “Temos a missão de ampliar a base de participação social e a incidência das demandas sobre o encontro do G20, que é uma bolha difícil de romper. Não é amanhã que veremos essa agenda figurar de forma central, mas sua importância está crescendo”, disse. É importante, reforçou, levar para a arena internacional a lógica de que não é possível fazer política pública sem participação social.
Bruno Costa, Secretário Executivo da Comissão Estadual para o G20, concordou. “O G20 é como um clubinho fechado e o cidadão comum fica à margem da discussão”, disse, acrescentando que entes subnacionais, estados e municípios, podem ajudar a trazer o assunto pra mais próximo da população. Segundo ele, levar o debate do grupo de engajamento dos oceanos à Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, vai ao encontro disso. O local foi apresentado pelo Governo do Estado do RJ como a sede da “Casa G20”, um espaço para intercâmbio cultural entre o Brasil e os países que vão participar do G20 no segundo semestre.
Parcerias na economia azul
Assim como o Brasil, a maioria dos países do G20 possui litoral extenso e tem suas economias atreladas a atividades ligadas ao mar. Como, por exemplo, o transporte marítimo, energia offshore, aquicultura, pesca, turismo, serviços portuários, construção naval, equipamentos e finanças. Para Gim Huay Neo, diretora para clima e natureza do Fórum Econômico Mundial, o encontro é uma oportunidade de fortalecer a cooperação pública e privada pela economia azul, apoiar inovação oceânica e atrair novas oportunidades de investimento que geram empregos locais e movimentem a economia. “Se as economias do G20 exercerem boa liderança nesse tema, teremos a chance de recuperar a saúde dos oceanos e, fazer isso, é recuperar a saúde do nosso planeta”, afirmou via participação por videochamada no evento.
Investimentos
O financiamento para projetos que valorizem a economia azul tem papel fundamental nesse processo, um movimento que o Brasil e o mundo precisarão aprofundar. Manoel Serrão, superintendente do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade, que há 28 anos financia projetos de biodiversidade no país, destacou que o Brasil avançou muito na agenda terrestre e florestal, mas que a agenda de oceanos envolve diferentes frentes de atuação, fontes de recursos e veículos financeiros. “Tão importante quanto ter um bom plano, é estabelecer mecanismos adequados de financiamento e estar preparado para geri-los com transparência”, afirmou.
William Nozaki, assessor especial da Presidência do BNDES, lembrou que, no começo do ano, o BNDES avançou no apoio à economia azul em quatro frentes estratégicas: Planejamento Espacial Marinho (PEM) da costa, incentivos à inovação e descarbonização da frota naval, estímulo à infraestrutura portuária e a apoio à projetos de recursos hídricos via Fundo Clima. “Existem no mundo cerca de 500 instituições de investimento como o BNDES, elas são fundamentais para enfrentar os desafios dos oceanos”, sublinhou, ressaltando que o banco tem uma carteira hoje que mobiliza cerca de R$22 bilhões que impactam positivamente a pauta dos oceanos.
Riscos e oportunidades
Oriana Romano, chefe da unidade de oceanos da OCDE, celebrou que o tema está ganhando espaço na agenda política e econômica. Segundo ela, se os serviços e ganhos gerados pelos oceanos fossem um país, o mar seria a sétima maior economia do mundo. Isso dado o valor agregado da indústria oceânica global, de US$1,5 trilhão ao ano, valor que deve duplicar até 2030. “Num mundo em crise climática, a economia azul precisa ser resiliente, inclusiva, considerar a comunidade local e seus conhecimentos. Deve ser sustentável e circular, considerar o uso de recursos e gestão de resíduos”, destacou. Romano afirmou ainda que o papel central das cidades litorâneas ainda é subestimado. “Há muito acordo em nível internacional. Mas é nas cidades costeiras que estão as maiores oportunidades de ação”.
Dessa forma, atenta aos riscos e oportunidades, Ana Asti, subsecretária de recursos hídricos e sustentabilidade do RJ, disse que o governo fluminense tem adotado uma abordagem mais integrada. Refere-se ao tratar dos problemas hídricos, entendendo a relação entre a água doce, servida a 13 milhões de pessoas do estado. Assim, pensando, juntamente, na água do mar que banha a região. “80% da população no Rio vive entre o doce e o salgado. Precisamos entender que o acontece em terra afeta os oceanos”, disse ele. Ressaltou, ainda, que o governo tem investido em parcerias com universidade, setor privado e outros países. Isso tudo para enfrentar o desafio do saneamento e combate à poluição, além de potencializar a economia azul do estado.
Futuro no G20
Refletindo sobre o possível legado do G20, Lucas Padilha, coordenador de Relações Internacionais e Presidente do Comitê do G20 na Prefeitura do Rio de Janeiro, afirmou que a maior contribuição da série de eventos que a Cúpula tem trazido para a cidade deverá ser a “modernização da sociedade civil”. Além disso, destaca o despertar de uma sensibilidade para trabalhar juntos por desafios ainda sem respostas. Lançando, assim, luz para a importância central dos oceanos na busca por soluções. “Não tem como discutir combate à fome, redução de desigualdade, desenvolvimento sustentável e transição ecológica, e reforma das governanças globais, temas principais do G20 no Brasil, sem colocar os oceanos nesse palco”.
Pacto Global da ONU
Sturla Henriksen, assessor de Oceano do Pacto Global da ONU, destacou que os objetivos do Brasil no G20 estão intrinsecamente conectados aos oceanos. Além disso, fala que é urgente que se adote uma abordagem holística para proteger, conservar e restaurar os ecossistemas costeiros. Assim, ao mesmo tempo que o mundo desenvolve e aprimora formas de aproveitar o vasto potencial do oceano na economia. “Temos potencial de mobilizar esforços e competência das empresas que participam do Pacto. O sistema financeiro precisa se engajar nisso, não dá pra considerar apenas filtantropia”, enfatizou.
Rodrigo Favetta, CFO do Rede Brasil do Pacto Global da ONU acrescentou que a rede no país possui a plataforma Água e Oceanos. Ela trabalha nessa mobilização, e citou iniciativas, como a Blue Keepers. Ela busca retirar lixo do oceano, catalogá-lo e identificar materiais e empresas que estão por trás. Assim, promove a conscientização da sociedade e também gerar estudos, como a parceria com o Instituto Oceanográfico USP. Além disso, outra frente é o GT de Negócios Oceânicos. “São 65 empresas unidas para discutir economia dos oceanos, instrumentos econômicos e seus impactos sociais”, contou.
Assim, para Segen Stefen, diretor do Instituto Nacional de Pesquisa Oceânica (Inpo), cada vez mais fica claro como a economia azul é uma das novas fronteiras que temos para o desenvolvimento social. Além disso, cita como ela deve estar lastreada na preservação e sustentabilidade dos oceanos. “Isso é inegociável”, defendeu. Destacou, ainda, que a ciência oceânica tem desafios para aumentar sua incidência sobre as políticas públicas.
“Precisamos entender melhor e monitorar os oceanos de forma coordenada e com governança internacional, que esses dados estejam abertos à sociedade. Temos desafios enormes e incertezas com relação às mudanças climáticas e parte dessas respostas pode vir dos oceanos”, disse, defendendo a criação de um banco de dados global para sintetizar e agregar conhecimento já disponível.
Colaborações brasileiras
O Oceans20 é coordenado pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano da Universidade de São Paulo. A iniciativa possui colaboração com o Fórum Econômico Mundial, o Pacto Global da ONU e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade. Além disso, também está vinculado com o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo). “Desde que nascemos, trabalhamos com três frentes: projetos, eventos e parcerias. Atuando como hub e organização de fronteira, com foco em conectar a ciência com decisores políticos e com a sociedade”, explicou Luciana Xavier, pesquisadora da Cátedra da UNESCO para Sustentabilidade Oceânica, criada em 2018 em parceria com Unesco e a USP. “Nossa missão não se encerra aqui, mas busca alcançar a sociedade e convidá-la a pensar, se engajar e lutar pelo oceano”.
Alexander Turra, coordenador da Cátedra da UNESCO para Sustentabilidade Oceânica, e um dos organizadores do encontro, celebrou a ocasião. “Ver o tema na agenda internacional, nacional e municipal é muito importante para conseguir encontrar as respostas para os desafios dos oceanos e da humanidade”, disse. Entre setembro e outubro, há outro evento em vista, o Ocean Summit, acoplado à agenda do G20. Em paralelo, haverá ainda um processo de escuta da sociedade civil, inspirado nos Oceans Dialogues, da Indonésia. Dessa forma, ele terá uma chamada para organizações que querem viabilizar esses diálogos e trazer contribuições para a sistematização de informações dos encontros. “Nossa meta é colocar os oceanos na cabeça no coração e na alma dos chefes de estado do G20”, cravou.
Fonte: Vanessa Oliveira / Um Só Planeta
Receba as principais notícias sobre sustentabilidade no seu WhatsApp! Basta clicar aqui