Com o amadurecimento da agenda ambiental das empresas, as soluções de mitigação de emissões poluentes é um filão de mercado que deve ser cada vez mais demandado, segundo especialistas. Entre elas, está o crédito de carbono, um dos principais instrumentos de compensação de gases de efeito estufa (GEE). Pensando neste potencial, a bolsa de valores, B3, está preparando sua estrutura para não apenas comercializar créditos de carbono, mas também registrar os projetos geradores dos créditos, além dos próprios ativos.
Leonardo Betanho, superintendente de Produtos de Balcão da B3, conta ao Prática ESG que a bolsa tem buscado um posicionamento no tema de carbono há algum tempo e o que abriu a porta para a discussão na companhia sobre a entrada neste novo setor é sua atuação com o “irmão” do crédito de carbono, o CBIO, crédito de descarbonização do programa governamental RenovaBio.
“Quando lançamos em 2020 o CBIO, começamos a ganhar experiência em usar a estrutura mais tradicional de mercado financeiro e de capitais para um produto com uso específico, que é o objetivo de reduzir os gases de efeito estufa. Como entendemos que a infraestrutura funciona, começamos a olhar para o tema mais discutido pelos produtos, o crédito de carbono”, conta.
Com a iminência da aprovação do projeto de lei que regula o mercado de carbono e a expectativa que fundos de investimentos e outros investidores também possam ser atraídos por este mercado, a B3 já vem, desde o fim do ano passado, desenvolvendo uma bolsa digital para compra e venda de créditos de carbono conjuntamente com a AirCarbon Exchange (ACX), de Cingapura. A escolha por uma parceira internacional e que já atua no neste segmento – a ACX está presente em Abu Dhabi e tem uma parceria com a bolsa de Atenas – foi feita pela necessidade de alinhamento com práticas e demandas internacionais.
O registro
Mas, nesta seara, seu ambiente de registro é usado como um depositante secundário dos dados. O que a bolsa quer é servir como o primeiro lugar do registro dos créditos e, mais do que isso, de suas metodologias e projetos, expandindo a capacidade de atuação no mercado de carbono.
“A metodologia usada para emitir os créditos precisa ser registrada em algum lugar, assim como os projetos que geram os produtos. Isso exige uma estrutura robusta de armazenamento de dados e segurança de informação. Onde a B3 se diferencia é que consegue usar seu sistema robusto para isso e, a partir da integração com a plataforma da ACX, poderá oferecer os créditos que aqui estiverem registrados ao mercado financeiro e de capitais”, explica Betanho.
O executivo da B3 comenta que, quando lançou, no fim do ano passado, as iniciativas de mercado de carbono, a bolsa mirava um papel secundário na questão do registro. Agora o jogo muda. “Cada um dos standards e certificações possui ambiente de registro e a B3 se torna, com essa plataforma de negociação, um ambiente secundário de registro. Agora percebemos que temos capacidade de concatenar os registros de diferentes standards e usar nossa capilaridade de conexão com a indústria financeira e fundos para fazer a alocação”, diz.
Ele explica que ter o domínio do registro primário significa que a bolsa terá a titularidade do instrumento e será a responsável pela segurança e o armazenamento de todos os dados gerados embaixo da metodologia. Ao estar com tudo “dentro de casa”, em sua arquetetura de sistemas e infraestrutura próprias, fica mais fácil poder ofertar ao mercado. A comercialização em si deverá ser feita pela plataforma construída com a ACX.
Empresas envolvidas
Neste primeiro momento, a empresa escolheu uma metodologia para testar a iniciativa de registro e comercialização. Essa é a brasileira PSA Carbonflor, desenvolvida pela ECCON Soluções Ambientais e pela Reservas Votorantim.
Lançada há exato um ano, a partir da legislação que regulamenta o pagamento por serviços ambientais e reconhece que a natureza realiza atividades ecossistêmicas essenciais para a manutenção da vida na Terra (Lei nº 14.119/2021). Assim, o PSA Carbonflor já foi testado no Legado das Águas, maior reserva privada de Mata Atlântica no Brasil. Ela é localizada no interior paulista e administrada pela Reservas Votorantim. O potencial de geração de créditos Carbono Plus (C+), como foi batizado o título, é de 1,7 milhão de créditos C+ em 100 anos, equivalente a uma remoção de 1,7 milhão de toneladas de GEE. O escritório de advocacia Pinheiro Neto foi o primeiro comprador desses créditos, em negociação direta.
Ótica do mercado
Yuri Rugai Marinho, CEO e fundador da ECCON, explica que a metodologia nacional é um trunfo por olhar de uma forma mais direcionada e completa ao que o Brasil precisa. Além disso, visa entender quais as necessidades de proteção do bioma Mata Atlântica que as metodologias internacionais não conseguem abranger. E pontua que o anúncio desta quarta-feira, está alinhado com a vontade, de todos os atores, em desenvolver o mercado brasileiro. Pois ele que é tido como um dos principais provedores em potencial de soluções para mitigação de emissões no mundo.
Neste contexto, aconteceu, então, o anúncio oficial da nova funcionalidade que está sendo desenvolvida. Assim, a B3 espera estrear até o fim do ano será feito nesta quarta-feira (18) durante o Brazil Climate Summit, evento em Nova York (EUA). Esse acontecimento visa mostrar a investidores e empresários internacionais as potencialidades do Brasil nas searas de transição energética e economia verde. Na ocasião, além da B3, participam ainda as empresas envolvidas no projeto, a ECCON, Reservas Votorantim e também a CCR, de soluções para mobilidade.
Iniciativa da B3
A CCR será a primeira compradora do ecossistema que está sendo desenvolvido. Segundo Renata Ruggiero, diretora de Sustentabilidade, Inovação e Responsabilidade Social do Grupo CCR, a empresa teve as metas climáticas aprovadas no ano passado pelo SBTi e, a partir daí, passou a implementar uma estratégia de descarbonização que envolve a redução de emissões, mas também a compensação do que não foi, ainda, possível reduzir.
“A maior parte da nossa atuação é no bioma da Mata Atlântica e, ao buscar projetos na região, nos deparamos com projetos com dificuldade de usar certificações internacionais para ter o bioma contemplado. Por isso, o projeto do PSA Carbonflor foi um ‘match’ feliz”, conta.
Ela conta, então, que um dos principais requisitos para investir em pagamento por serviços ambientais é o trio de integridade, transparência e governança. “Foi um conjunto de requisitos que bateram entre o que buscamos e o que eles ofereciam que nos fez abraçar o projeto e ser o primeiro comprador pela plataforma da B3”, acrescenta. “Está cada vez mais claro que não são CNPJs individuais, é uma agenda coletiva.”
Até 2033, o Grupo CCR pretende reduzir em 59% suas emissões de CO2 nos escopos 1 e 2 (operações próprias e consumo de energia). Além disso, quer diminuir em 27% o escopo 3 (cadeia de valor) em relação a 2019.
Neste primeiro momento, serão adquiridas 67 mil toneladas para compensar parte das emissões da operação própria (escopo 1) deste ano e dos próximos anos. Entretanto, o valor de cada C+ não foi divulgado ainda. Porém, David Canassa, diretor executivo da Reservas Votorantim, afirma ao Prática ESG que foi “a preço de mercado”.
Canassa reforça que o estímulo à demanda de empresas por esses créditos é a chave para o sucesso da iniciativa da ECCON e a B3. Entretanto, também destaca outra: a apresentação, quantidade e qualidade das informações que vão estar disponíveis na plataforma.
O processo
Na etapa de governança e verificação, explica, serão exigidos dos projetos detalhes sobre a área que o projeto abrange. Por exemplo, se é de floresta, agricultura sustentável ou restauração. Bem como mostrar o que tem em seu entorno (comunidades e outras fontes de pressão para desmatamento). Além disso, deve trazer os documentos de regularização fundiária; detalhes de como é feito o cálculo dos créditos gerados; entre outros.
A ideia é oferecer na plataforma um mapa geoespacial da área com o máximo de informações possíveis. Assim como a apresentação “amigável” e acessível a qualquer um. Além disso, não restrita apenas a conhecedores da área – dos detalhes da geração e dos documentos e comprovações pedidos.
“Quando uma empresa vai buscar crédito de carbono, precisa entender tudo que está por trás dele e nem sempre as informações estão claras. Além disso, uma plataforma pensando no mercado brasileiro, de uma instituição brasileira, confiável e com informações em português, facilita a compra e torna mais transparente o processo”, conta Marinho, da ECCON.
Ele acredita que a simplificação do processo e a disponibilidade de dados pode reduzir a necessidade de contratação de horas e horas de advogados e auditorias para garantir a segurança e integridade dos projetos. “Ao trazer mais segurança e fazer uma operação com menos pessoas envolvidas, os custos de análise tendem a cair bastante”, afirma Marinho.
Em Nova York, o grupo pretende divulgar a novidade para atrair mais interessados em participar do desenvolvimento da plataforma de registro na B3. “O lançamento é um convite para outras entidades interessadas a nos ajudar na discussão de aprimoramento da iniciativa”, comenta Canassa.
Expectativas
Betanho, da B3, há potencial tanto para atrair interessados de fora do Brasil, quanto locais. Ele lembra que muitas empresas brasileiras querem ambientes seguros para compra de créditos de carbono de alta credibilidade. Além disso, se o mercado regulado sair, a iniciativa pode servir como referência.
Marinho, da Eccon, concorda. “Enquanto não o mercado regulado não sai, temos o mercado voluntário [de comercialização de créditos], que precisa do esforço, como o nome diz, voluntário das pessoas. O que estamos fazendo é justamente o que precisa para a coisa andar e, quando o mercado for regulado, já teremos tido algumas discussões para atingir bons resultados climáticos”, finaliza.
Fonte: Naiara Bertão, do Valor
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